João Cabral de Melo Neto gostava de dizer:
– A diplomacia me fez sair de Pernambuco. Mas a poesia jamais me tirou de Pernambuco.
Tinha razões para isso. Antes de completar 20 anos, João Cabral deixou Recife, onde nasceu, para estudar no Colégio Pedro Segundo, no Rio. Depois, foi cursar o Instituto Rio Branco. Formou-se diplomata. Correu o mundo, representando o Brasil durante a brilhante carreira de quase cinco décadas como diplomata.
João Cabral tornou-se um dos nomes mais respeitados e admirados da história do Itamarati. Foi secretário, cônsul, conselheiro, adido, ministro, embaixador. Só na Espanha serviu por cinco vezes. Também na Inglaterra, na França, Senegal, Paraguai, Suíça, Portugal e Equador. Sempre ligado na literatura, o embaixador João Cabral de Melo Neto, afirmava:
– Minha inspiração eu a trouxe da infância nos engenhos de açúcar do Nordeste. Da casa grande e da senzala. Do caboclo simples e do homem de poder.
O poeta e diplomata publicou 17 livros, com poesias de extremo rigor estético e que acabou determinando novo estilo de rimas e versos. O mais comemorado, “Morte e Vida Severina”, de 1966, relata o sofrimento de um pobre sertanejo que migra da caatinga para o litoral. Virou peça teatral de sucesso, com argumento musical de Chico Buarque de Holanda.
João Cabral era imortal da Academia Brasileira de Letras e primo de dois outros expoentes da nossa cultura, Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, mais velhos que ele, também pernambucanos. Entre as tantas homenagens que recebeu está o Prêmio Camões.
Em 1990, obedecendo à lei que impõe aposentadoria compulsória aos “setentões” do Itamarati, voltou para seu apartamento na Praia do Flamengo. Foi lá que o poeta posou para essa foto que faz parte do livro que publiquei em 1992, “Senhoras e Senhores”, com notáveis da cultura brasileira.
Figura extremamente agradável. Leve, sábio. Convidou-me para um trago em barzinho bem popular que gostava de frequentar, vizinho ao seu edifício, ali perto do seu prédio, numa das ruas do Catete. Disse-me que mesmo quando estava servindo longe do Brasil, manteve o hábito de tomar uma cachacinha de sua terra. E deve mesmo ser o que disse porque encarou três ou quatro doses de caninha enquanto conversávamos.
Num determinado momento, senti-o entediado. Ficou em silêncio, pensativo. Pareceu-me entristecido. Indaguei-lhe como se sentia longe da diplomacia, de sua bela carreira no Ministério das Relações Exteriores. E a resposta foi taxativa:
– Com o espírito carregado de tédio. Desde menino estudei em escolas públicas. Fiz os melhores cursos de formação com recursos do Estado. Dediquei-me em servir à União. Busquei aperfeiçoar meus conhecimentos com o objetivo de servir à Nação. Passei minha vida representando o País nas mais diversas e importantes questões internacionais. Passei, enfim, a vida me melhorando. Quando me senti pronto para contribuir ainda mais com o Brasil, fui condenado a aposentar-me. Agora estou aqui, cheio de conhecimento, caminhando solitário pelas ruas.
Despedi-me e, ao sair, ainda pude ouvi-lo cantar baixinho “Voltei Recife, foi a saudade que me trouxe pelo braço…”, famoso frevo composto por seu conterrâneo Capiba.
O poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto morreu nove anos depois, em 1999. Triste