O avanço das queimadas na Amazônia mostra muito mais do que um desastre ambiental, mas exibe um Brasil em chamas e perdido diante da incontinência verbal do presidente Jair Bolsonaro.
Legitimado pelas urnas no ano passado para ser o 38º presidente do Brasil, Bolsonaro comete um erro clássico da política: acredita que os 57 milhões de votos recebidos são seus e lhe dão o direito de falar ou fazer o que bem entender.
Os jornalistas, sobretudo em Brasília, estão acostumados a ver a chamada roda da fortuna girar e ver o efêmero poder trocar de mãos de tempos em tempos. Mas quase sempre quem está no poder não consegue perceber a transitoriedade do cargo que ocupa.
Assim, os brasileiros e o mundo assistem estarrecidos declarações desastrosas do presidente, que faz jus à sua campanha em favor da posse e do porte de armas e pode ser comparado quase que a uma metralhadora giratória.
Só quem não conviveu com Bolsonaro nos 28 anos que passou no Legislativo se surpreende com sua falta de liturgia com o posto que exerce atualmente.
Bolsonaro chegou à Presidência da República pelas circunstâncias. A começar, pelo desgaste dos 13 anos de governos petistas que, mais do que avanços sociais, promoveram uma espécie de institucionalização da corrupção no país.
O atentado sofrido durante a campanha, garantiu a Bolsonaro uma projeção na mídia que o horário eleitoral gratuito não conseguiria lhe dar. Mas especialmente a divisão das forças políticas de centro, em boa parte atingida pela Lava Jato e sem um líder capaz de se contrapor ao discurso de ódio e enfrentamento dos extremos, ajudou a garantir seu sucesso eleitoral.
Assim como muitos de seus antecessores, Bolsonaro tenta colocar na conta da imprensa o noticiário negativo sobre seu governo, ainda que parte da mídia tenha sim sua cota de responsabilidade na
criminalização da política.
No afã de denunciar os maus feitos graves, a imprensa acabou jogando na vala comum toda a classe política, como se houvesse outro caminho, se não o da política, para que uma democracia sobreviva.
A política é a arte da negociação entre grupos divergentes e antagônicos, algo inerente de qualquer sociedade democrática, através da qual a vontade da maioria prevalece, mas garantindo o direito da minoria ou oposição de simplesmente existir e também questionar aquilo sobre o que discorda.
Pior, a verborragia presidencial extrapolou as fronteiras do Brasil e estarrece o mundo, prejudica negócios e tem potencial para piorar a dramática situação de quase 13 milhões de brasileiros sem emprego.
Mesmo que alguns governantes e celebridades tenham se valido de imagens antigas de queimadas na Amazônia para se solidarizar a população da região que sofre com a fumaça tóxica e com perda irreparável de um patrimônio mundial, que é a maior floresta do planeta, cabe sim ao governo Bolsonaro agir, em vez de bater boca com seus críticos.
Os sinais de alerta estão por toda parte. Não é à toa que levantamento feito em parceria pela revista Veja e a FSB, divulgado nesta sexta-feira (23), indica que 48% dos brasileiros desaprovam a forma de Bolsonaro governar e 49% consideram que suas declarações atrapalhem bastante sua gestão. Ainda que a maioria da população acredite que o presidente possa fazer, até o fim de seu mandato, um governo ótimo (20%), bom (25%) ou regular (23%).