Sérgio Moro chegou à Esplanada dos Ministérios como o juiz implacável na luta contra a corrupção. Surfou na eleição de Jair Bolsonaro e viu no convite do presidente para integrar sua equipe uma chance única. Em suas palavras: “O grande motivador dessa aceitação do convite foi a oportunidade de ir a Brasília numa posição de poder elevada de ministro da Justiça e poder implementar com essa posição uma agenda anticorrupção e uma agenda anticrime organizado que não se encontram ao alcance de um juiz de Curitiba, mas podem estar no alcance de um ministro em Brasília”, disse à repórter Poliana Abritta, no final do ano passado. “Estou indo para consolidar os avanços da Operação Lava-Jato em Brasília”, completou.
O problema dos planos é que nem sempre a realidade concorda com eles. Logo que sentou na cadeira de ministro, Moro enviou ao Congresso um pacote de projetos.Também cercou-se de ex-colaboradores da Lava-Jato e reivindicou o comando do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Esperava contar com uma superestrutura e, claro, com o apoio do Congresso. Deu tudo errado. Os parlamentares, liderados pelo Centrão, grupo que reúne os partidos que foram alvo da Lava-Jato, tiraram o Coaf da órbita do ministro. E as propostas contra a corrupção e o crime não deram um passo sequer para começar a tramitar. A má vontade de boa parte do Congresso com o ex-juiz era evidente.
O chefe, Jair Bolsonaro, não ajudou muito. Revelou que, em troca da participação no Ministério, acenou a Moro com a indicação de uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Não pegou bem, e rendeu ao ex-juiz uma representação ao CNJ, para que prestasse informações por “suposta atividade político-partidária”. De desgaste em desgaste, Moro sentiu que Brasília não é Curitiba.
É nesse cenário que a revelação das conversas de Moro com o procurador Deltan Dellagnol, pelo site The Intercept, indicando a participação do então juiz na gerência da Lava-Jato, deixa o ministro em situação bastante delicada. Já há pedidos de convocação dele e do procurador, e até de criação de uma CPI, defendida pelo senador baiano Angelo Coronel (PSD), para apurar se houve uma “conspiração””para tirar o ex-presidente Lula das eleições de 2018.
Até a noite de domingo, especulava-se que Moro não terminaria o governo com Bolsonaro, e não apenas por causa de uma suposta indicação ao STF. Os motivos, porém eram distintos: as investigações em torno do caso Queiroz, que envolvem o filho presidencial 01, o senador Flávio Bolsonaro. Na hipótese de a apuração se aproximar do palácio do Planalto, Moro ficaria emparedado entre o passado de ex-juiz e a fidelidade ao chefe. As apostas de experientes observadores do poder eram de que Moro deixaria o governo de forma ruidosa e partiria para uma candidatura presidencial.
Se confirmado o que mostram os diálogos publicados — um desvio da função de juiz —, sobram poucas alternativas a Moro para cumprir as promessas feitas quando trocou Curitiba por Brasília. Terá de criar uma nova narrativa para sua “missão”: a de juiz perseguido pelos inimigos da Lava-Jato. O único caminho disponível para a construção desse personagem pode ser justamente aquele que o então juiz sempre negou percorrer, o da política. Ele precisará que aqueles que foram às ruas inflando um boneco do Super-homem com seu rosto lhe deem um mandato. A estrada é longa até 2022, mas os exércitos já estão em campo.