A União Europeia enfrenta nestes dias o maior desafio político de sua existência. De quinta-feira a domingo haverá eleição para o Parlamento Europeu – com sede em Estrasburgo, França – nos 28 países que compõem o bloco.
Os que defendem o bloco, uma composição de partidos políticos da centro-direita a centro-esquerda, enfrentam uma onda de extrema-direita de Leste a Oeste e de Norte a Sul no continente. Essas agremiações políticas tentam implodir as instituições supranacionais criadas ao longo de quase 70 anos.
Uma das protagonistas dessa onda nacional populista é Marine Le Pen, líder do Agrupamento Nacional – partido de extrema-direita da França. Le Pen fala em modificar a União Europeia por dentro.
Seu desejo, e dos demais parceiros nessa empreitada, é acabar com as instituições supranacionais do bloco. A Comissão Europeia, o Poder Executivo da União – com sede em Bruxelas – não tem razão de existir, segundo ela. A radical francesa defende ainda que legislativo europeu seja integrado apenas com representantes indicados pelos parlamentos nacionais e não diretamente, como ocorre agora.
Nas últimas semanas pesquisas indicaram que o partido de Le Pen está à frente na França, com 22% dos votos, seguido bem de perto do “Em Marcha”, partido do presidente Emmanuel Macron, acossado pelos “coletes amarelos”, com 21,5%.
No Reino Unido quem lidera é o recém-criado Partido do Brexit, criado por Nigel Farage – também eurodeputado – que foi a face mais conhecida do plebiscito que retirou a Grã-Bretanha do bloco europeu, processo ainda não concluído.
Matteu Salvini, vice-primeiro-ministro e ministro do interior italiano, se arvora mais “pró-europeu do que os pró-europeus”. Salvini é o principal expoente da Liga Norte, um partido que sempre pregou o separatismo entre o norte e o sul da Itália, afirma que os “eurocéticos dominam a Europa neste momento.
Os anti-europeus são os socialistas do Partido Popular Europeu. ”Na semana passada ele reuniu em Roma 11 partidos nacionalistas de direita. Chegaram a um acordo em dois temas que consideram cruciais: a defesa das fronteiras dos países membros e o aumento do emprego.
No leste europeu – para onde a União se expandiu nas última duas décadas após o fim do comunismo – o avanço do nacional populismo mais significativos são a Hungria e a Polônia. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán – que tem como admiradores no Brasil a família Bolsonaro e foi o único líder europeu que veio a posse do presidente – é a estrela mais vistosa dessa constelação da ultradireita europeia.
No poder há nove anos por meio de eleições, Orbán imprimiu profundas modificações na Hungria, onde já não existe judiciário independente, a imprensa livre e os partidos e organizações da sociedade civil são estigmatizados como antipatriotas. O primeiro-ministro fez aprovar no parlamento local leis rígidas contra a imigração, condenadas pela União Europeia. E seu partido, o Fidesz, foi suspenso do Partido Popular Europeu, que reúne os representantes nacionais dos partidos da centro-direita europeia no Parlamento Europeu.
Na Polônia o partido Lei e Justiça também vem promovendo um assalto às instituições democráticas, reconfigurando o Estado. O Lei e Justiça, que alcançou o poder em plena crise migratória da Europa, concentra todo o poder no país, que não passava por algo assim desde a queda da ditadura comunista, em 1989. O destaque aqui é que a Polônia, com quase 40 milhões de habitantes, não é um atrativo para refugiados e imigrantes.
A Espanha era um dos poucos países da União Europeia em que a extrema direita não tinha representantes no parlamento local. Isso se modificou em 28 de abril de 2019, quando o Vox, uma agremiação política restrita a região da Andaluzia, conquistou 24 cadeiras no legislativo espanhol.
A bandeira com a qual alcançou esse êxito é igual aos demais congêneres europeus, acrescida pelo separatismo na Catalunha. Com uma história marcada pela ditadura de Francisco Franco, os espanhóis resistiam a “esse encanto” ora votando no Partido Popular, de centro-direita, ora no PSOE, de centro esquerda. Agora o encanto se quebrou.
Na Alemanha de Ângela Merkel vem crescendo o AfD (Alternativa para a Alemanha), um partido eurocético e anti-imigração. Logo na Alemanha, que desde a década de 1960 busca mão de obra estrangeira para tocar a sua economia, a mais forte e sofisticada de toda a Europa.
Em 2015, em plena crise de refugiados, Merkel implementou a política de fronteiras abertas, permitindo a entrada no país de mais de um milhão de imigrantes. Eles ocupam vagas na economia que o cidadão alemão rejeita ou não quer.
Esse é o grande paradoxo da atual política europeia. Cidadãos de várias partes do mundo imigraram para os países ocidentais do continente e contribuíram decisivamente para o desenvolvimento de suas economias. A própria Alemanha é exemplo, absorvendo turcos, croatas e eslovenos – ex-iugoslavos – há décadas. A Grã-Bretanha e a França com seus imigrantes das ex-colônias da África e Ásia não foram diferentes.
A crise econômica de 2008, a imigração em massa de refugiados das guerras civis de países do Oriente Médio e África, e de alguns excessos regulatórios da burocracia de Bruxelas – sede executiva da União Europeia – e o Brexit, permitiram um avanço do populismo-nacionalista, que sempre existiu nos países que integram a União Europeia.
Essa nova realidade política acirrou as tensões nacionalistas, acrescida por um profundo ressentimento com a globalização, além de uma alegada perda de identidade nacional. O cidadão médio dos países que fazem parte da União Europeia ainda é profundamente ligado as suas tradições nacionais.
* Luís Eduardo Akerman é jornalista e analista de política exterior. Ex-editor de Internacional do Jornal de Brasília.