Bolsonaro une os contrários

Presidente Jair Bolsonaro e a deputada Joice Hansselmann. Foto Orlando Brito

Em seus quase cinco meses no Planalto, Jair Bolsonaro já mostrou que a inconstância e a incoerência são traços marcantes de sua personalidade. Basta analisar as idas e vindas em diversas medidas tomadas, a mais recente, o decreto das armas. Apesar das aparências, foram essas facetas do caráter presidencial a razão real do “recuo” do Centrão na barganha por espaços de poder no governo.

Deputados do Centrão com Onyx Lorenzzoni, ministro de Bolsonaro. Foto Orlando Brito

A volta dos Ministérios das Cidades e da Integração à Esplanada foi acertada em reunião dos chefes do Executivo e do Legislativo, com o testemunho do ministro da Casa Civil. Mas o presidente voltou atrás. Bolsonaro pode achar que ganhou a batalha e se livrou do Centrão, tratado por ele e aliados como o grande mal da República. A “vitória” é boa para cartaz de passeata e para animar redes sociais. O governo, porém, tem pouca chance de sucesso sem os votos de DEM, PP, PR, PRB, SD, PTB e MDB. Somam 194 dos 513 deputados. A oposição conta com pelo menos 102. Para aprovar uma emenda constitucional, com 308 votos, a conta não fecha.

Bolsonaro, porém, ainda pode contar com a sorte — pelo menos na reforma da Previdência. Ela deve ser aprovada, sim, com mudanças, como ocorre em praticamente todos os projetos analisados no Legislativo. Graças ao intenso debate sobre o assunto durante o governo Michel Temer, há um consenso mínimo em torno do assunto. Só que a reforma não esgota a agenda necessária ao país, e a prática nesses meses tem mostrado que governar por meio de decretos — com vícios de inconstitucionalidade — não vai funcionar.

Ex-senador José Anibal. Foto Orlando Brito

Já é até lugar comum afirmar que o governo não tem articulação com o Congresso. Isso não acontece nem no partido do presidente, o PSL, sempre imerso em brigas e disputas de vaidade. O clima no meio político, porém, evoluiu da mera constatação desse fato para uma forte preocupação, especialmente diante dos números fracos da economia. E já conseguiu produzir o inesperado — colocar adversários históricos na sala para conversar. Foi o que se viu no registro feito por “O Estado de S. Paulo”, da reunião que juntou 40 pessoas, entre petistas, como Fernando Haddad, e tucanos, como o ex-senador José Aníbal, no domingo, em São Paulo. Representantes de PCdoB, PSOL, PV, Cidadania, Rede e PDT estavam presentes.

É cedo para saber se essa conversa tem futuro. Mas política é feita de gestos, e o sinal foi positivo. Demonizar o Congresso foi bom para Bolsonaro ganhar a eleição. Não serve para governar, como mostram esses primeiros meses. Se o presidente não entendeu isso, é bom que alguém mostre o contrário — seja do Centrão, do PT, do PSDB ou do PSL. Foram todos eleitos, como Jair Bolsonaro.

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