Era uma vez um novo presidente; tão inimigo de ostentação que não se preocupava em vestir roupas novas e bonitas e com isso gastava seu dinheiro com camisas falsificadas do seu time do coração…
Simplicidade e poder?!
Ao cobrir seu corpo com uma peça falsificada e, posteriormente, encoberta pelo paletó o presidente expõe um discurso e sua essência simbólica: participação na estrutura social ligada ao consumo.
O vestir do presidente chama a atenção e abre questionamentos, inclusive ao escolher uma camisa do time de procedência questionável, provoca uma reflexão sobre sua fala anticorrupção e defesa da moralidade.
Afinal, o consumo desta peça específica reflete posicionamento de ordem moral, infração de ordem fiscal, reforçando um possível apreço pela informalidade, gerada pela desordem do mercado formal e da produção. Seria assim com o pacato cidadão, é assim com o presidente.
É uma inclinação, diante de muitas possibilidades, que a pessoa acabe se colocando por infringir as leis, a ordem, além de se deixar ligar ao submundo e às práticas oferecidas por uma transgressão estrutural. Sim, a escolha em associar sua imagem ao uso de peças piratas pode ser o desejo de pertencer e ser aceito por um mundo que não é dele; e neste caso se tornou, enquanto pessoa privada.
Algo que possivelmente o vestia, também o deixava nu. É incrível perceber que no contexto de escolha das roupas a tentativa de pertencer muitas vezes é também falsear, delimitar uma imagem em que muitos conseguem fazer leituras; o presidente está nu.
Ao pensarmos em sua escolha por usar peças piratas, podemos associá-lo ao comportamento de grande parte dos brasileiros, se pensarmos na estratificação social e imagética que promovem as compras por desejo de pertencer e ser aceito pelos seus pares.
Muitas vezes, quando compra roupas, sapatos e eletrônicos piratas, o indivíduo não imagina que são possíveis conexões entre aquele produto e um sistema criminoso muito amplo e organizado. Mas ao pensarmos no ato de Jair Bolsonaro, o presidente, usar uma camisa falsificada pode associá-lo de forma direta ou indireta à combinação de poder e práticas ilícitas, de forma intencional ou não.
A situação me fez relembrar de uma frase de Abraham Lincoln que nos fala sobre caráter e reputação. Ele fala que o caráter é como uma árvore e a reputação como a sombra. A sombra é o que pensamos dela; a árvore é a coisa real.
Não teria o presidente condições de adquirir o produto ou ele constrói um discurso que salienta injustiças sociais, fragilidades aquisitivas, inserção em um mundo mais simples, menos poderoso, mais compassivo socialmente inclusive para discutir as mudanças no assistencialismo e na previdência social?
Debord diria que essas escolhas pessoais seriam uma tentativa de sociedade retratada. Dúbio, eu afirmaria, por tentar se incluir e ao mesmo tempo ressaltar as distâncias entre o povo e o regente do poder; ser presidente.
Vale lembrar que ao escolher portar um produto falsificado, o presidente tem a possibilidade de desafiar as barreiras e limites impostos pela lei, pelo governo…governo este que é seu e volta a ser presente na hora em que coloca o paletó por cima de peças esportivas. Sua escolha é premente aos olhos e seu discurso pode muito bem ser percebido. Ora pela calça que relembra os abrigos militares. Ora a presença marcante de um esporte tão aceito e cultuado pelo povo brasileiro. Afinal, o futebol sempre nos salvou, mas não por hora.
Repito, a roupa compõe um texto capaz de validar uma fala reativa ou proativa, mas sempre despindo nossas intenções. É algo parecido com a história infantil da nova roupa do imperador: alguém vai apontar a nudez.