Na cerimônia de diplomação do presidente eleito, Jair Bolsonaro, e do seu vice, Hamilton Mourão, foram estabelecidas as bases da “harmonia e independência” entre os poderes Executivo e Judiciário, com avisos relevantes ao Legislativo.
Bolsonaro falou em união e patriotismo genericamente. Em governar para todos sem distinções. Enalteceu a meritocracia e o esforço individual, com loas à liberdade, criatividade e empreendedorismo. Desta maneira, introduziu a abordagem identitária que pretende adotar, colocando de lado a discriminação positiva e enfatizando, a ver, soluções econômicas focadas em mais apoio do Estado e menos em dependência dele.
Foi um discurso moderado e morno, portanto, com exceção de quando falou do mandato recebido para combater a corrupção, construir relação sem intermediários com a sociedade e sem manipulação. Logo, recado dado sobre a centralidade de sua agenda anti establishment, seja em relação ao sistema político seja para com a “imprensa clássica” (segundo etimologia de Alon Feuerwerker). Ou seja, vai ter agenda anticorrupção, nova governabilidade e muita rede social. Já Previdência e conservadorismo nos costumes ficaram mais nos loci de legado e espantalho.
Já o discurso de Rosa Weber, representando a corte eleitoral, demarcou ostensivamente a defesa dos Direitos Humanos, em alusão aos 70 anos da declaração da ONU, mas também da Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da OEA. Uma ode ao multilateralismo e, na visão de muitos, ao globalismo. Conceito este que pôde ser visto por detrás de outras assertivas da ministra.
Weber falou em respeito à ordem democrática e à Constituição (cobrando a Carta como “norte” nas palavras do eleito em visita recente ao Supremo Tribunal Federal) e às minorias “estigmatizadas por situação de vulnerabilidade”. Disse que o Brasil está comprometido “há décadas” (portanto imune às “modas” conjunturais) com a comunidade internacional, enfatizou a convivência dos opostos, a rejeição ao pensamento único, o “direito a ter direitos”, à vida, à liberdade e à segurança “como projeção global”. Falou em identidade de gênero, concomitantemente ao ressaltar que o Judiciário fará o exercício da jurisdição das liberdades. Em outras palavras, que concorda em proteger conceitos compartilhados com Bolsonaro, mas com divergências de conteúdo à primeira vista, nada que a gestão não possa recuar para um entendimento mais sinérgico com o da Justiça deste nível.
Para bom entendedor, Weber disse que a agenda conservadora nos costumes tal como estabelecida, tenha repercussão dentro ou fora do País, será barrada pelo Supremo. Bom para Bolsonaro, que terá a quem culpar. Bom para o Supremo, que poderá ter dois ministros indicados pelo eleito até 2022, mas sob uma discussão americanizada e franca acerca de ser ocupado por conservadores ou progressivos (pelo menos se Bolsonaro quiser alterar o que escutou hoje). Bom para os públicos que se sentem amedrontados com a retórica bolsonarista. Ruim para o Congresso, que ficará num tiroteio constitucional discutindo mudanças que o capitão não precisa aprovar, mas só agitar, e que o supremo já ameaça, de partida, derrubar.
O capitão já esvaziara qualquer assertiva sobre implantar um regime autoritário, o que sequer dependeria dele, mas do desfecho de embates político-sociais. Sua vantagem, pela lógica do resta um, é a agenda anticorrupção. Rosa Weber representa a maioria da suprema corte que a apoia, mas que, para bancar os freios ao governo citados no discurso dela, terá suporte da minoria que questiona os procedimentos da Lava Jato.
Para a oposição – seja a petista e a não-petista, parlamentar ou social – assim como para o sistema político e o establishment midiático, as receitas para proteger causas e/ou interesses estão na mesa. Aliança com o Supremo pelos direitos humanos (compreendidos os de todas as gerações e registrados nos tratados dos quais o Brasil é signatário) e carregar no que parece ser um telhado de vidro do novo governo: as denúncias de corrupção contra o staff bolsonarista. As ADIs e ADCs ganham mais força como checks and balances, e as CPIs como centro da atuação parlamentar.
Para a situação, as receitas também estão postas: foco na solução econômica (mediação entre contas públicas e empregos), combate à corrupção e retaguarda para não ser tragado nesta própria agenda.