Por trás da cortina de fumaça do debate em torno da Escola sem Partido e da prioridade enunciada pelo recém-indicado ministro Ricardo Vélez Rodríguez de colocar a gestão a serviço da preservação de “valores tradicionais “, continuamos sem ter a mínima ideia do que vai acontecer com a Educação no Brasil – que é o que de fato importa para a vida de milhões de brasileiros, tenham eles votado ou não em Jair Bolsonaro.
Durante a campanha eleitoral, o combate à suposta ideologização do ensino no país foi o eixo do discurso de Bolsonaro. Quando incitado a falar mais concretamente sobre o assunto nos poucos debates e sabatinas a que compareceu antes de sofrer o atentado, o candidato do PSL mostrou grande desconhecimento sobre o tema, limitando-se a enunciar propostas como a de colocar diretores militares em escolas públicas e abrir uma escola militar em cada capital de estados brasileiros.
Nada contra, mas a Educação num país como o nosso não vive só disso. As famílias brasileiras seguem sem saber, por exemplo, se o governo Bolsonaro dará continuidade à política de aumentar as matrículas do ensino público em horário integral – essa, sim, crucial, sobretudo nas periferias e regiões mais pobres, para tirar as crianças e adolescentes das ruas e evitar que sejam capturadas pelo crime organizado e desorganizado. Esse é apenas um dos pontos em que a educação se encontra com o tema preferido de Bolsonaro, a segurança.
Também não temos ideia se o novo governo vai investir na construção do programa de creches, que prevê ainda a destinação de mais recursos do Fundeb para os municípios para sua manutenção. Ele é fundamental não só para que as mães e pais possam trabalhar e deixar seus filhos bem cuidados. É fundamental, acima de tudo, para assegurar a milhões de brasileiros condições e oportunidades iguais desde a primeira infância, já que todo mundo sabe que a criança que não começa a ser estimulada nessa fase já começa a vida escolar em desvantagem. Só aquelas que conseguem ter acesso à boa alimentação na creche.
Ao anunciar a “municipalização” do ensino, o novo ministro esqueceu-se de detalhar como e de onde sairão os recursos, já que a maioria das prefeituras do país, financeiramente arrebentada, terá condições para financiar as mudanças necessárias de curriculum nas escolas. Elas mal dão conta de arcar com sua parte do custo das creches e do ensino fundamental que, constitucionalmente, estão em suas atribuições.
Mas as dúvidas prosseguem sobre o que vai acontecer na educação, a pouco mais de um mês da posse do novo governo. Bolsonaro e Vélez Rodríguez vão manter os programas criados nos governos petistas que permitiram o acesso de filhos de famílias pobres à universidade? O que vai acontecer com o Fies, o Prouni e outras iniciativas para financiamento estudantil?
E o Enem? Dele, sabemos que será fiscalizado para não conter textos considerados ideologizados, como por exemplo relacionados à questão de gênero. Palavras do presidente da República, que disse que as provas serão submetidas ao governo – o que poderá até por em risco o sigilo necessário à lisura do exame. Mas não sabemos se o sistema, que foi um enorme avanço na distribuição de vagas nas faculdades públicas, vai continuar, e em que condições.
Também não conhecemos propostas do novo governo para combater o analfabetismo ou em relação ao acesso escolar das crianças que moram em localidades remotas. Será que o novo governo conhece o programa Caminho da Escola?
A sensação é de estarmos todos no escuro, ou caminhando num terreno desconhecido tomado pela névoa, sem enxergar um palmo à nossa frente. A cortina de fumaça é o debate sobre escolas sem partido e supostas ideologizações do ensino, que, evidentemente, estão longe, muito longe, de ser o principal problema da Educação nesse vasto Brasil. O risco é, dissipado o nevoeiro, ver um grande nada à nossa frente.