É provável que nos 180 anos de existência do Poder Legislativo brasileiro, a Câmara dos Deputados jamais tenha vivido momento tão peculiar: o grande impasse em torno do parlamentar que deve presidi-la, ou seja, o que pode ocupar a principal cadeira daquela Casa do Parlamento. Com o afastamento pelo Supremo do presidente Eduardo Cunha, a função de substitui-lo recaiu sobre Waldir Maranhão, o primeiro-vice. À primeira vista, é a solução lógica e automática. Mas não. Diante do quadro tão complexo que envolve o destino do país, deixou de ser somente uma etapa regimental automática.
De maneira clara e aberta, Waldir Maranhão não é reconhecido por seus colegas de mandato como parlamentar com competência para comandar a Câmara Federal. É rejeitado, salvo raras exceções, pelas dúzias de partidos, carregados de interesses e ideologias. É tido pela grande maioria como polêmico, inseguro e, enfim, inadequado para isto. Diante de tais questões, Maranhão, na verdade, nem tem tomado assento na cadeira que lhe caberia. As sessões têm sido presididas por outros deputados.
É natural que uma instituição de tamanha importância como a Câmara dos Deputados esteja sempre envolta por impasses e situações complexas. Ainda mais no momento em que o Brasil vive talvez a mais grave crise de sua história no período democrático, com o Congresso focado na condução do impeachment da Presidente da República.
A expectativa é que rumo tomará. O que o futuro reserva para a cadeira vazia: se a corporação parlamentar mantém esse esquisito arranjo e espera até fevereiro do ano que vem para escolher um presidente da Câmara de fato e de direito ou se promove eleição antecipada para resolver a questão. É muito tempo para essa interinidade? Quem sabe? Até lá o Brasil será outro. E o cenário político com certeza também.
Grandes nomes da história sentaram-se na cadeira número 1 da Câmara. Doutor Ulysses Guimarães, por exemplo, foi seu titular em três ocasiões, inclusive no comando da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Carta Magna vigente, de 1987 a 1988. Também seu conterrâneo paulista Michel Temer teve o triplo privilégio. Por curiosidade, ambos tiveram a primazia de ocupar, de uma forma ou outra ainda que interinamente, o principal gabinete do Palácio do Planalto. Ulysses, nas viagens ao Exterior de José Sarney. Michel, agora, em substituição à presidente da República afastada, Dilma Rousseff.
A Câmara dos Deputados foi fundada em 1826, quando o Brasil vivia ainda o período imperial. Com queda de Dom Pedro II, em 1889, e a chegada da República, aquela Casa do Poder Legislativo ganhou, ao lado do Senado Federal, novos contornos. O primeiro a ocupar sua presidência foi o mineiro Mata Machado, em 1891, aliado do marechal Deodoro da Fonseca e adversário de Floriano Peixoto. De lá para cá, o Parlamento viu passar pela história grandes momentos e grandes crises. Golpes de estado, mortes de líderes, quedas de presidentes, cassações de mandato, duas vezes a consumação de impeachment do Chefe-da-Nação. E até seu próprio fechamento.
Hoje a Câmara é composta por 513 senhoras e senhores parlamentares dos 27 estados da federação, além do Distrito Federal. Na verdade, a exercer o mandato são 512, por conta da condição ainda não inteiramente definida do deputado Eduardo Cunha, afastado pelo Supremo Tribunal Federal.
Orlando Brito