“É claro que a grande imprensa vai dizer que não vale, que é só mais um órgão da ONU. Não é esse o caso. O Brasil se obrigou a cumprir as decisões exaradas pelo Comitê de Direitos Humanos. É uma decisão de um órgão que o Brasil reconheceu a sua competência. (…) Não se trata de uma opinião de uma consultoria internacional qualquer”.
Diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro de Direitos Humanos no governo FHC e professor aposentado de Ciência Política da USP.
“Eu não peço para estar acima da lei, mas um julgamento deve ser justo e imparcial. Essas forças de direita me condenaram, me prenderam, ignoraram a esmagadora evidência de minha inocência e me negaram habeas corpus apenas para tentar me impedir de concorrer à Presidência. Eu peço respeito pela democracia. Se eles querem me derrotar de verdade, façam nas eleições. Segundo a Constituição brasileira, o poder vem do povo, que elege seus representantes. Então deixe o povo brasileiro decidir”.
Trecho de artigo de Lula publicado no New York Times, no dia 14/8
Por aqui, reina o céu de brigadeiros e generais e o silêncio omisso da (quase) unanimidade nos tribunais e do Ministério Público.
As eleições vem chegando, Lula é candidato registrado, foi aberto o prazo para impugnações, até o dia 22 – Dodge, Kim e Frota largaram na frente, trio representativo do momento político – e o ex-presidente caminha, a passos largos, para ser impugnado pela Lei da Ficha Limpa, condenado que foi, em segunda instância, a 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro. Teria supostamente recebido da OAS um apartamento triplex em Guarujá (SP) em retribuição a contratos firmados pela construtora com a Petrobras. O modelito do “fato indeterminado” recortado em Curitiba e emoldurado em Porto Alegre deve tirar Lula do pleito.
O roteiro para a eleição de um candidato de direita – Geraldo Alckmin derretendo, Bolsonaro expandindo, aliás, como infla a capa da falida Veja, que coloca o guru Paulo Guedes como futuro “Presidente do Brasil” -, encontrou, porém, uma pedra no caminho. Que deve chutar para longe, como já fez o Itamaraty. Mas não sem consequências. O Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas determinou nesta sexta, 17, que o Estado Brasileiro “tome todas as medidas necessárias para permitir que Lula desfrute e exercite seus direitos políticos da prisão como candidato nas eleições presidenciais de 2018”.
“As conclusões do Comitê têm caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante. O teor da deliberação do Comitê será encaminhado ao Poder Judiciário”, desdenhou, em nota, o Itamaraty. Imagino – tenho uma imaginação fértil, portanto, me perdoem – Raquel Dodge, Michel Temer, Aloysio Nunes Ferreira, Sérgio Moro, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Victor Laus, João Pedro Gebran Neto e Leandro Paulsen, entre outros convidados ilustres, em uma grande festa a bordo de um Titanic remendado, brindando e rindo ao som de “Nearer, my God, to Thee” (“The Baptist Hymnal”, n° 458), de Sarah Fuller Flower Adams e Lowell Mason, enquanto leem a decisão da ONU. Risos gerais. Trata-se, porém, de uma decisão jurídica da ONU, não política – o que torna a posição do governo brasileiro ainda mais embaraçosa. E se refere a uma solicitação feita em 27 de julho pela defesa do ex-presidente. Por meio do Decreto Legislativo 311, o Brasil incorporou ao ordenamento jurídico pátrio o Protocolo Facultativo que reconhece a jurisdição do Comitê da ONU e obriga o cumprimento das suas decisões. Bom, obrigar, nesses tempos, é força de expressão.
Em canais nas redes sociais, e em coletiva à imprensa, advogados de Lula e o ex-chanceler Celso Amorim afirmaram que a decisão da ONU mostra que, ainda que contextualizemos a notícia a uma decisão liminar, é possível dizer que, para parte da comunidade internacional, e seus representantes, Lula tem que ser candidato. “Se o Brasil não cumprir essa decisão, está se colocando como pária internacional”, disse Amorim. Da mesma forma, o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso, afirmou que o Estado brasileiro tem que acatar a decisão. Pinheiro destacou o peso da decisão e a relevância do órgão, que tem jurisprudência reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A defesa de Lula, que tem feito o que pode, entrará na próxima semana com recursos em série para tentar tornar elegível o candidato do PT à presidência. Seguindo a estratégia do partido, que tem Fernando Haddad como plano B, a equipe de advogados eleitorais e criminais tentará obter nas cortes superiores alguma medida que permita ao petista estar nas urnas até o dia 17 de setembro, prazo limite para trocar os candidatos – ou, pelo menos, postergar a provável decisão da Justiça de não conceder o registro. A tese corrente no partido – leia isso como especialmente relevante – é a de que a transferência de votos será mais eficiente se ocorrer próxima ao prazo limite de troca de candidato, dando pouco tempo ao eleitor para refletir sobre o novo nome, agindo, intuitivamente, como se Lula fosse o candidato. Arriscado? Sim. Inteligente? Muito.
Com o espaço midiático por aqui fechado para opiniões contrárias, a perseguição a Lula vem ganhando espaço no exterior – e isso não é pouca coisa. Jornais como o The Economist, Le Monde, The Guardian, e The Independent têm feito editorais mostrando que há algo errado com a prisão do ex-presidente Lula às vésperas de uma eleição onde é líder nas pesquisas.
Em artigo publicado no dia 14/8, no New York Times, Lula defendeu sua candidatura, destacando ter fé que a justiça prevalecerá. Contudo, admite que o tempo está correndo contra a democracia. A determinação da ONU, solenemente ignorada, e que terá decisão do mérito, aponta para isso. A areia está quase se esgotando na ampulheta.