O PT anunciou na última sexta-feira (20) os eixos temáticos do programa de governo que o partido vai levar à campanha presidencial deste ano. Focadas mais nos fracassos do que nas realizações de quando esteve no comando do país, as propostas que o PT trouxe a público pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad parecem coisa para inglês ver. Elas estão fora da realidade e beiram à ingenuidade por não considerar que a sua adoção estaria condicionada à aprovação de um Congresso com o qual o futuro presidente governará, tão conservador quanto o atual.
Segundo o resumo apresentado por Haddad à Executiva Nacional do PT, constituem os eixos do programa propostas como a democratização dos meios de comunicação, as reformas do sistema bancário e do judiciário e implementação (sic) de um novo processo Constituinte. Revolucionárias, essas propostas certamente vão esbarrar no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já repetiu mais de uma vez que se quisesse fazer uma revolução ele não teria criado um partido político.
Até que poderiam essas propostas ser aprovadas sem uma revolução, mas isso dependeria de uma sólida maioria de esquerda na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, coisa que não passa de uma miragem aqui no Brasil. Nem um quinto da Câmara é formada por deputados de esquerda; no Senado, o número pode chegar a 12, entre os 81 senadores, se juntados aos nove senadores do PT e uma do PCdoB dois do PSB, João Capiberibe (AP) e Lídice da Mata (BA).
Dos 513 deputados federais, podem ser considerados de esquerda os 61 do PT, os 19 do PDT, os 10 de PCdoB e os seis do PSOL. Falso brilhante, a bancada de 26 deputados do PSB não é confiável: vem desbotando a parte vermelha da sua bandeira desde a morte do ex-governador Miguel Arraes. O mesmo ocorre com os oito deputados do PPS, sucessor do velho PCB de Luiz Carlos Prestes que certamente, como Arraes, deve estar se revirando no túmulo ao saber onde foi parar o seu partido.
Essa relação de forças no Congresso Nacional, com uma esmagadora maioria conservadora tanto na Câmara quanto no Senado, deve permanecer na próxima legislatura, mesmo com uma nova eleição de dois terços dos 81 senadores e da totalidade dos 513 deputados federais. O principal fator para as coisas continuarem como dantes no quartel de Abrantes, são Fundo Eleitoral e o Fundo Partidário que vão financiar as eleições deste ano.
Sem o dinheiro sujo das empreiteiras, as campanhas serão financiadas pelos contribuintes com os cerca de R$ 2,5 bilhões desses fundos, que serão distribuídos pelos partidos preferencialmente entre os atuais detentores de mandatos, facilitando a sua reeleição. A “renovação” esperada do novo Congresso é aquela também conhecida como “conhaque Dreher”, ou de “pai para filho”.
É o caso, por exemplo, de Pernambuco, onde vão concorrer à Câmara dos Deputados os filhos do ex-governador Eduardo Campos (PSB), João Campos, e do deputado e ex-ministro da Educação Mendonça Filho (DEM), Vinícius Mendonça, que foi escalado para ocupar a cadeira do pai, que vai disputar uma vaga no Senado. Com eleição garantida, eles vão chegar à Câmara dos Deputados na fixa dos 21 anos de idade, como chegou o ex-ministro Henrique Eduardo Alves (MDB-RN), eleito e reeleito deputado diversas vezes como “o filho” do ex-governador potiguar Aluízio Alves.
De certa forma, o próprio PT contribui com a permanência desta situação quando faz acordos políticos nos Estados que favorecem a eleição de representantes das elites políticas em prejuízo do crescimento da bancada de esquerda no Congresso, por vezes atingindo a sua própria bancada na Câmara e no Senado.
É o caso, por exemplo, da Bahia, onde a chapa do PT para a reeleição do governador Rui Costa excluiu a senadora Lídice da Mata (PSB), que buscaria a renovação do seu mandato no Senado na mesma composição que oito anos atrás reelegeu o ex-governador Jaques Wagner para um segundo mandato no Palácio de Ondina. No lugar de Lídice, a mais fiel parlamentar do PSB aos governos da presidenta Dilma Rousseff, o PT baiano colocou na chapa o presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, deputado Ângelo Coronel (PSD).
No Piauí, o PT cortou na própria carne. Neste domingo (22), o partido retirou a candidatura à reeleição da senadora Regina Sousa em favor do atual deputado federal e ex-governador Marcelo Castro (MDB). Ele vai ocupar o lugar que seria de Regina na chapa que busca a reeleição do governador Wellington Dias, que contará ainda com a companhia do senador Ciro Nogueira (PP), em busca da sua reeleição em coligação estadual com o PT do governador. A nível nacional, o PP que Nogueira preside anunciou apoio ao pré-candidato do PSDB, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin.
Em Pernambuco, sem precisar do governador Paulo Câmara (PSB), que ao contrário busca a reeleição com apoio do PT, o partido, que tem na vereadora Marília Arraes a mais forte candidata ao governo do Estado, fragiliza sua candidatura enquanto tenta fazer um acordo nacional com o PSB para um apoio nacional à eventual candidatura de Lula à Presidência da República. Sem nenhum deputado federal, o PT de Pernambuco ainda corre o risco de continuar sem representante na Câmara e não conseguir a reeleição do senador Humberto Costa.
Em Minas Gerais, o MDB tenta retirar a candidatura ao Senado de Dilma Rousseff mas a ex-presidente vem resistindo bravamente. Se o partido se dobrar, acabará repetindo 2010 e 2014, quando jogou fora oportunidades de consolidar maioria na Câmara dos Deputados ao abrir espaço para a eleição de deputados do MDB e de outros partidos conservadores. “O MDB quer tudo na chapa do PT para eleger seus parlamentares”, diz um indignado militante petista do Piauí, prevendo que com maioria na Assembleia o partido de Michel Temer estará “pronto para o golpe contra Wellington”.
Se a carruagem do PT continuar andando nessa marcha, sem se importar com a ampliação das bancadas de esquerda no Congresso, a aprovação do seu projeto de governo por via parlamentar se revela cada vez mais utópica. E utopia maior ainda será esperar que Lula desista da via partidária para fazer uma revolução. Para mudar sem romper a ordem constitucional, partidos políticos precisam ser fortes não apenas no número, mas consolidados ideologicamente.
Geraldo Seabra é jornalista