Falar de Bolsonaro é sempre uma lástima. É o que ele quer. Falar dele é dar ibope. É o que alimenta suas redes/sedes sociais, a rede do ódio, da infâmia. Não importa se com botas lustradas ou pantufas de palhaço, o negócio é estar nas redes. Mas como me calar – refleti muito sobre isso, mas tenho uma filha pequena -, quando um candidato presidencial, com ares de boçal, puxa uma criança de colo, para o palco de um comício, nesta quinta- 20, em Goiânia, e, forçando seus dedinhos, para a platéia ensandecida, a faz repetir seu gesto de campanha, o dedo em riste, fazendo-a imitar uma arma disparando, uma aprendiz de massacre. Fogo! Logo a seguir, disse que se for eleito vai derrubar barreiras que impedem a população de se armar – coerente com a linha multinacional da poderosa National Rifle Association (NRA), que aqui tem paralelo com o lobby da Taurus/CBC, que tem o monopólio da empresa em compras feitas por forças de segurança pública. Esquece educação, cultura e direitos humanos, o Congresso tem uma bancada da bala, gente. “Vamos fortalecer a nossa liberdade, conseguir porte de arma de fogo para vocês”.
A criança foi devolvida ao colo dos pais – que pais! -, mas a imagem cala fundo. Não é só um embuste, é uma vergonha.
Não faltam vídeos e imagens desse embuste, e eles viralizaram rapidamente – para o bem e para o mal de Bolsonaro, o ladino. Que o digam os deputados federais Delegado Waldir (PSL) e Magda Moffato (PR), testemunhas coniventes da cena vergonhosa. Claro, não demorou para a imagem gerar polêmica. A cena é quase ensaiada. Em cima de um carro de som, enquanto discursava a simpatizantes, Bolsonaro segura no colo uma menina e a auxilia, com um largo sorriso no rosto, a usar os dedos polegar e indicador para simular que segurava uma arma em suas mãos. Em seguida, ele também faz o gesto. Aos jornais, o deputado delegado Waldir disse que a criança foi entregue a Bolsonaro pelos pais, que teriam pedido a ele para fazerem o símbolo. Que pais!
A justificativa só piora, estratificado os brasileiros: o deputado diz que o gesto significa uma arma “para as pessoas de bem”, só “para bandidos”. O deputado afirmou ainda que o gesto simboliza “ser cristão”. Ser Cristão – tenho ouvido muito isso.
Como mostrei em texto recente – sobre as imagens que estigmatizam os candidatos no Google -, o gesto com as mãos, imitando uma arma, tornou-se o simbolo da campanha do “mito”, já tradicional no Congresso durante reuniões da chamada bancada da bala, da qual Bolsonaro orgulha-se de ser um dos expoentes. Em março, quando se filiou ao PSL, Bolsonaro afirmou que faria campanha nessas eleições para tentar levar um maior número de policiais e integrantes das Forças Armadas para o Congresso. Esses novos deputados formariam, nas palavras dele, a “bancada da metralhadora”.
No Brasil, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente tem como marco de origem legal a Constituição Federal de 1988, mais precisamente o seu dispositivo 227. Nele o constituinte estabeleceu como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Dúvidas? Quererem que desenhem?
A menos de três meses das eleições presidenciais, o capitão do Exército da reserva consolidou-se como o líder nas pesquisas de intenção ao Palácio do Planalto no papel de franco atirador, no cenário provável que não prevê o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Independente dos recentes movimentos do Centrão, abandonando Ciro e envolvendo Alckmin, ainda temos a chaga Bolsonaro na disputa. Se Bolsonaro é mito de algo, é mito de uma tragédia.