Reações indignadas por aqui, na Rússia e pelo mundo afora resultaram do vídeo em que um grupo de turistas brasileiros insulta uma jovem no metrô em Moscou. A cena triste é mais um exemplo a mostrar que se houve cordialidade entre nós, ela já se perdeu. Das situações mais simples às mais complexas, do encontro entre autoridades à conversa no bar, passando pelas grosserias nas mídias sociais, desapareceram a boa educação, os bons modos, o respeito e a preocupação com os demais .
Perceba o que acontece no transporte coletivo, em São Paulo. A lei reserva nos trens, ônibus e metrôs lugares e vagões para deficientes, idosos, gestantes, mães com crianças. Mas são rotineiras as vezes em que esses assentos estão ocupados por outras pessoas. E elas se levantam, quando aparece o usuário por lei? Não. Fingem – quase sempre homens – que dormem com os fones do celular no ouvido, olham para o outro lado. Enquanto isso, a senhorinha de rosto enrugado como uma uva passa está ali, tentando se segurar e aguentar os solavancos. E a moça, com um barrigão de quem vai ter o bebê amanhã, se espreme contra os demais passageiros. É angustiante. Ninguém devolve o lugar que não lhes é de direito. Até que, quase sempre uma outra senhorinha, menos cansada e menos enrugada, se levanta para que os mais cansados ou necessitados se sentem. Alguém se envergonha? Incomoda-se?
Ninguém se perturba com o desrespeito aos pedestres, aos ciclistas e às leis. Nossa cordialidade nos permite estacionar em fila dupla, tripla, desde que paremos praticamente dentro dos lugares. Danem-se os que precisam desviar ou sofrem com os congestionamentos. Nossa cordialidade nos autoriza a ignorar os números indecentes da violência e da nossa indigência social. Há mais de um mês um prédio desabou no centro de São Paulo. Os moradores, que ocupavam a construção irregularmente porque não existe política habitacional, acamparam numa praça ao lado. Passada a comoção, lá eles continuam mais pobres e ainda com menos dignidade do que aquela que em algum momento conseguiram ter.
Repare em nossos pré-candidatos à presidente da República que não dizem coisa com coisa e nos sonegam suas ideias para o Brasil. Observe a linguagem e os modos, em especial dos senhores. Não servem nem para o dono do boteco da esquina. Ainda que estejamos acostumados – afinal não é a primeira vez que ele concorre ou ocupa um cargo público – Ciro Gomes se supera a cada nova aparição. É “cadela no cio”, “capitãozinho do mato”, só para citar os mais recentes. Sem falar na constante tensão do candidato que parece um balão prestes a explodir a qualquer momento.
Jair Bolsonaro é outro exemplo (mau). Uma das palavras que mais usa é “estupro”. Qualquer coisa pode ser relacionada a um dos atos mais violentos que podem acontecer contra um ser humano. Os juros, para o candidato, “são um estupro”. Em um levantamento feito pelo Estadão em mais de 15 mil frases tuitadas pelos candidatos, a palavra mais usada por Bolsonaro foi “canalha”. E, como tal pai, tal filho, o deputado Eduardo Bolsonaro também demonstra a educação que aprendeu em casa. Há poucos meses xingou e ameaçou uma jornalista com um repertório do suprassumo da truculência, da ignorância e do machismo.
Até o fleumático Geraldo Alckmin já escorregou nos comentários. Respondeu – e tentou corrigir depois – que o PT “colhe o que planta”, quando lhe perguntaram a opinião sobre o ataque a tiros que atingira um ônibus de uma caravana de Lula na região sul. Só faltou dizer, “bem feito”. Lula tampouco prima pelas boas palavras. “Porra”, “tesão”, “orgasmo”, abundam em seus discursos. E esses são alguns dos exemplos mais visíveis desses homens que querem mandar em nossos destinos. Sabe-se lá o que dizem os demais candidatos, dos quais mal sabemos o nome, que dirá o que pensam.
Não se trata de moralismo. Trata-se de boa educação. De cordialidade. De gentileza, bons modos, solidariedade, respeito. Mas o mundo em que Donald Trump separa imigrantes, mães e pais de pequeninos aos prantos não é cordial. Não é gentil. E nós, brasileiros, tampouco somos. Não devemos nos espantar quando nossos compatriotas se comportam como àqueles que vimos em Moscou.