Está todo mundo atordoado com a greve dos caminhoneiros. Meu Deus, que categoria absolutamente organizada e coesa é essa, tendo à frente uma tal Abcam (Associação Brasileira dos Caminhoneiros)? CUT? Força Sindical? UGT? UNE? MTST? MST? Eles pararam o país nos últimos tempos? Que nada. A Abcam, com nome de remédio para produção de anticorpos, e seu presidente José da Fonseca Lopes, que falando parece um boneco de posto dublado, conseguiu em poucos dias o que centrais e sindicatos históricos não conseguem: parar o país. O presidente mais popular da história do país caminha para dois meses preso e só se vê manifestações pífias. #Lulalivre só funciona como hashtag e papo cabeça nas redes sociais. O presidente do MTST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos, é candidato a presidente e cadê mobilizações? Nada. A fábrica de fakenews, já chamada de MBL, uma vez desmascarada, não consegue reunir meia dúzia de gatos pingados na Paulista. Qual o milagre está na boleia da Abcam? Chama-se, meu filho, poder econômico.
O que está acontecendo no Brasil é um locaute de empresas de transporte que proíbem seus empregados de trabalhar e financiam a maior fake greve recente do país. O tamanho da paralisação em curto espaço de tempo, a extensão e organização do movimento é algo que evidencia o financiamento empresarial. Ou isso ou estaríamos em meio a uma revolução. Ninguém nega o absurdo do escandaloso aumento da gasolina, gás e demais derivados, além da entrega da exploração do pré-sal a grupos estrangeiros – essa pauta não interessa à Abcam, diga-se de passagem. Mas a greve, meus queridos, não é por salários ou condições de trabalho, ainda que os caminhoneiros vivam à base de anfetaminas para atravessar a noite ao volante. É greve para reduzir impostos. Qual é a dúvida? A legislação brasileira proíbe expressamente o locaute. Tanto a Consolidação das Leis do Trabalho como a Lei da Greve regulam o tema.
Sempre é preciso, claro, um fator catalizador. E o que é melhor que a política de aumento diário dos preços dos combustíveis, essa bomba relógio criada por Temer? O darling Pedro Parente, até recentemente “redentor” da Petrobras – embora fosse óbvio que os lucros vinham da alta do combustível no mercado internacional – virou a Geni da história. Afinal, Temer precisa de um bode expiatório, e não será Moreira Franco. Parente anunciou uma redução e congelamento dos preços do diesel, por 15 dias, e a terceira redução consecutiva do preço da gasolina. Pouca gente vai prestar atenção nisso diante das rodovias paradas e das imagens de postos fechados ou com filas gigantescas pois os estoques já estão zerados, voos sendo cancelados país agora e desabastecimento nível Venezuela.
Depois do tucano Cássio Cunha Lima, primeiro vice-presidente do Senado, no plenário, foi a vez de Paulinho da Força – em tese, aliado do Planalto– pedir a cabeça de Pedro Parente. O líder do Solidariedade acha o presidente da Petrobras “responsável” pelo apagão dos combustíveis. “E, se o presidente da Petrobras insiste em manter essa política, que o presidente da República exerça a sua autoridade, se é que ainda tem alguma autoridade, e demita o presidente da Petrobras”, disse Cássio, tardiamente indignado. Pobre, Parente, que acreditou em Temer.
O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), fez um bate-volta ao Ceará, quando viu que a coisa estava feia e decidiu ficar em Brasília, quer convidar Pedro Parente a se explicar no Congresso. Eunício declarou que considera “abusivo o que aconteceu no Brasil”. Ele contou 11 aumentos de combustíveis em 16 dias. Joga pedra no Parente. Ele, pelo menos, tem saída: recentemente, foi confirmado como novo presidente do conselho da fabricante de alimentos BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão. Temer já não tem saída. É culpar os outros pelos seus erros, entregar os anéis e tentar manter os dedos.
O Congresso está reunido em caráter de emergência para, de joelhos, atender ipsis litteris às “reivindicações” da Abcam, vulgo, caminhoneiros organizados. Afinal, caminhoneiros unidos, jamais serão vendidos. Preste mais atenção numa certa Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, CNTA, e em entidades como Fetrabens, CNTA, Unicam, Sinaceg, CNT, NTU e Federação dos Transportadores Autônomos de Carga. Um admirável mundo novo. Governo fraca fortalece velhas siglas.
O presidente Michel Temer pode extinguir se o Congresso topar, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre o diesel. O Congresso decidiu voltar a trabalhar: aprovou a reoneração da folha de pagamento de 28 setores para tentar reequilibrar a queda na arrecadação, mas zerou o PIS/Cofins sobre combustíveis até o final do ano. Como escreveu o fera Hélio Gurovitz, no G1, e só ouso reproduzir, “os caminhoneiros acabam de demonstrar ter mais poder que Temer, o Congresso ou Parente. Emparedados pela chantagem, todos se viram diante da verdadeira alma do preço dos combustíveis no Brasil”. “É uma pauta empresarial, não é uma pauta de trabalhador”, reconheceu a insuspeita Miriam Leitão, colunista da GloboNews, O Globo, etc. A renúncia de PIS-Cofins sem compensação fere Lei de Responsabilidade Fiscal, diz ela.
O engraçado é que, num país com inanição de manifestações, setores da esquerda e dos movimentos sociais ensaiaram um apoio e até mesmo participar do movimento grevista. Espera-se que recuem a tempo. Se dê ao trabalho de assistir alguns vídeos. Um rapaz, Tiago Cunha, ex-apoiador do MBL, com canecas de super-heróis e meninas superpoderosas ao fundo teve mais de 3 mil visualizações peguntando “Onde está o MBL e o Vem pra Rua” para apoiar a greve dos caminhoneiros. “Será que eles estão sem internet?”, pergunta. O direitista de carteirinha Arthur Moledo Do Val, do canal que tem o nome constrangedor de “Mamaefalei”, postou um vídeo, com 160 mil visualizações, para condenar os “excessos” do movimento. Bolsonaro, o Jair, o deputado-capitão, o presidenciável, postou um vídeo, com 110 mil visualizações, em que mistura roubo de carga” e “indústria das multas” para falar da greve, apoia os grevistas.
Ah, se você apoia a greve dos caminhoneiros, não deixe de sair às ruas e já ir aquecendo para a Rússia e botar a camisa amarela. E, qualquer dúvida, pergunte num Posto Ipiranga.