Com a palavra, Bolsonaro!

O general Ernesto Geisel - Foto Orlando Brito

“Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”, dizia um certo Mahatma Gandhi. OK, você não sabe quem foi Gandhi. Sabe quem foi Geisel? Figueiredo? Sabe quem é Bolsonaro? Ahá! Em tempos de eleitorado jovem e alienado, odes à “volta do regime militar” que a maioria não viveu e apoios irrestritos à cavalgadura, digo, candidatura Jair Bolsonaro, vale ensinar um pouquinho de história. Inclusive aquela escondida, e que, como flor, segue brotando, como se o impossível fosse possível, em meio às pedras da calçada. A última ditadura que vivemos – a “revolução” brindada nos clubes militares e a “ditabranda” inventada pela Folha de S.Paulo – acabou tem pouco tempo. Mas o suficiente para separar uma geração de jovens eleitores de uma realidade nua e crua. Conhecem o que veem no youtube, na opinião de bobões de cabelo descolorido, e não pelas fotos de Orlando Brito, Evandro Teixeira e uma turma que registrou história de verdade.

A “recontação” da verdade é uma briga comum hoje, incomuns são os espaços aos verdadeiros historiadores. Houve mesmo tortura e desaparecimetos nos porões do regime? Opositores eram realmente executados de forma orquestrada pelo estado? Havia de fato censura à imprensa, ao teatro, à música, às artes? Existiram mesmo as ridículas bolinhas pretas no filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick? Pelé levantou mesmo a Taça Jules Rimet – depois derretida – conquistada no México, ao lado do ditador Emílio Garrastazu Médici, no Palácio do Planalto? O Brasil viveu mesmo um “milagre econômico” orquestrado pelo mago Delfim, num país blindado da corrupção, ou o endividamento deu cambalhotas, a sacanagem era escondida, o aparato repressivo surrava os sindicatos e os salários foram achatados, aumentando a distância entre ricos e pobres? O jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura, foi mesmo executado depois de uma sessão de tortura numa cela do DOI-Codi, em São Paulo, e não se enforcou com o cinto de pano do macacão de preso?

Protestos contra o general Geisel, em visita à Rainha Elizabeth, em Londres. 1976. Foto Orlando Brito

A insuspeita CIA, amiga de todas as horas de todas as ditaduras planetárias que interessam aos Estados Unidos, tornou público nas últimas horas um desses “memorandos secretos” que respondem a muita coisa. Indo direto ao ponto. O general Ernesto Geisel, presidente do Brasil entre 1974 e 1979 – vendido como o homem da democracia gradual e segura, a chamada “distensão” -, sabia e autorizou execução de opositores durante a ditadura militar. É isso mesmo que você leu. Tornado público pelo governo americano, o documento foi revelado pelo pesquisador-garimpeiro Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Este é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa”, escreveu ele, em suas redes sociais.

O documento, de 11 de abril de 1974, do então diretor da CIA, William Egan Colby, e endereçado ao secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger, é um relato sobre reunião de março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, presidente da República recém-empossado, e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI). O grupo informa a Geisel da execução sumária de 104 pessoas no CIE durante o governo Médici, e pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo governo. Vou repetir: autorização para política de assassinatos no novo governo. Emails para dep.jairbolsonaro@camara.leg.br.

O general Geisel. Foto Orlando Brito

Geisel explicita sua relutância e pede tempo para pensar. No dia seguinte, Geisel dá luz verde a Figueiredo para seguir com a política, mas impõe duas condições. Primeiro, “apenas subversivos perigosos” deveriam ser executados. Segundo, o CIE não mataria a esmo: o Palácio do Planalto, na figura de Figueiredo, teria de aprovar cada decisão, caso a caso. No ano anterior, 1973, 104 pessoas “nesta categoria” foram sumariamente executados pelo Centro de Inteligência do Exército.

Como lembra o professor Spektor, é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos. A transcrição online do documento está no link abaixo, mas o original está depositado em Central Intelligence Agency, Office of the Director of Central Intelligence, Job 80M01048A: Subject Files, Box 1, Folder 29: B–10: Brazil. Secret; [handling restriction not declassified].

https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99?platform=hootsuite

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