Foi uma Páscoa diferente para Michel Temer. Não devem ter faltado ovos. Mas faltou sossego. Os jornais e portais de notícia passaram os últimos dias trocando as manchetes sobre os preços do chocolate pelo amplo espaço dedicado à “prisão dos amigos do presidente ” pela Polícia Federal. A Páscoa familiar de Temer em São Paulo foi substituída por um planejamento de guerra em Brasília. De novo, a fantasia de uma candidatura à reeleição foi trocada pela busca da sobrevivência política. A improvável volta ao Planalto pelo voto direto – anunciada e publicizada na capa por IstoÉ, há uma semana -, perdeu espaço para a luta, de novo, para chegar ao fim do mandato. A expectativa de que Raquel Dodge “dê uma de maluca”, como resumiu, ao seu estilo, o ministro Carlos Marun, e apresente uma terceira denúncia contra o presidente, é o cenário dos pesadelos para o Planalto. O ex-procurador, Rodrigo Janot, tem celebrado o despertar de Dodge. Entre o Coelhinho da Páscoa e Papai Noel, Temer terá, fica evidente agora, um ano sem espaço para fantasias.
Nesta sexta, 30, o presidente convocou o advogado Antonio Claudio Mariz para uma conversa em Brasília. Tudo em nível republicano, claro. Mariz é seu advogado no inquérito dos portos, que apura se o presidente recebeu propina em troca da edição de um decreto para supostamente favorecer empresas portuárias. Temer nega de pés juntos. Também foram ao encontro do presidente os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral), Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional) e Gustavo Rocha (Direitos Humanos e Subchefia de Assuntos Jurídicos). Oficialmente, não havia reuniões agendadas para o presidente até o domingo, 01/04, quando o governo deverá avaliar os impactos das prisões para Temer e a reforma ministerial. O insuspeito Merval Pereira, no Globo, escreveu: “Todos os homens do presidente estão envolvidos, de uma maneira ou de outra, em investigações policiais”. Pois é. Washington Post perde.
Das nove pessoas presas na quinta, 28, pela Federal – entre elas o advogado José Yunes, amigo de Temer há cinco décadas, o ex-ministro Wagner Rossi e o empresário Antônio Celso Grecco, dono da empresa Rodrimar, todos alcançados na chamada Operação Skala -, o depoimento mais esperado era o do coronel reformado da PM João Batista Lima Filho. Tiro na água. Ele alegou não ter condições “físicas e psicológicas” para dar esclarecimentos à polícia. Já Grecco, que antes dissera que “jamais” tratou de concessões no setor portuário com Temer, abriu uma brecha. Lembrou ter ouvido frase de Temer sobre a concessão de áreas no porto de Santos: “Vou ver o que posso fazer”. A ministra Rosa Weber negou na noite desta sexta, 30, pedido para revogar a prisão temporária de Grecco. Ele parece saber mais.
Já a arquiteta Maria Rita Fratezi, mulher e sócia do coronel Lima, prestou depoimento, mas, igualmente, ficou muda. Os investigadores queriam saber sobre a reforma feita por ela na casa de uma das filhas de Temer no Alto da Lapa, Zona Oeste da capital paulista, em 2014, paga em dinheiro vivo. A PF suspeita que as obras foram pagas por dinheiro de corrupção. O coronel Lima é apontado pela Polícia Federal como operador de propinas do presidente. Ele e sua mulher são sócios na empresa Projeção e Direção Arquitetônico (PDA). Entre outras coisas, foi vazado que a Federal apreendeu documento com referência ao presidente em uma das sedes da empresa Rodrimar. No laudo com descrição dos itens apreendidos, o item 20 descreve “uma folha de papel contendo o nome de várias empresas e pessoas físicas, incluindo Michel Temer”. No entanto, não havia no documento apreendido referência a que fatos as citações se referem. A essa altura, toda especulação vale.
A Operação Skala investiga o favorecimento de empresas por meio da edição do Decreto dos Portos (Decreto 9.048/2017), assinado porTemer em maio de 2017. A polícia suspeita que empresas pagaram propina ao presidente e ao PMDB em troca de benefícios. O decreto presidencial ampliou o período para as empresas explorarem áreas portuárias de 25 para 35 anos, podendo ser prorrogados até 70 anos. Os investigadores suspeitam que o decreto teria beneficiado a Rodrimar, que mantém negócios no Porto de Santos, e o Grupo Líder. As empresas negam as suspeitas.
Enquanto isso, o ministro Luís Roberto Barroso, que parece decidido a estragar o ano eleitoral de Temer, fez divulgar que autorizou as prisões e as ordens de busca e apreensão da Operação Skala com base em argumentos apresentados por Raquel Dodge, que aponta risco de destruição de provas e “fortíssimos indícios de esquema contínuo de concessão de benefícios públicos em troca de recursos privados para fins pessoais e eleitorais que persistiria por mais de 20 anos no setor de portos”. Dodge e Barroso devem preocupar mais a Temer que a próxima pesquisa de intenção de votos.
E para quem achava que o ex-presidente Lula teria uma Páscoa aflita, enquanto espera o julgamento do seu habeas corpus preventivo no Supremo Tribunal Federal, o presidente Temer experimenta dias mais do que amargos. Se Dodge oferecer mesmo outra queixa contra Temer, Rodrigo Maia, do DEM, assumirá novamente o posto de árbitro do processo. Sucessor natural e pré-candidato à Presidência, poderia concorrer em outro patamar. Mas, óbvio, continua sendo necessário conseguir 342 votos para afastar Temer. Se você acha que teve uma Páscoa difícil, reveja seus conceitos.