É preciso parar com a hipocrisia e chamar as coisas pelo seu nome correto. O que está acontecendo no Rio de Janeiro é terrorismo. Não existe outra definição. Quantas vezes a cidade parou por capricho dos barões do tráfico ou por causa das suas guerras? Quantas vezes nos últimos dez, 15 anos, os comerciantes de Ipanema foram obrigados a fechar as portas pela bandidagem que tiraniza a comunidade Pavão-Pavãozinho? Quantas vezes isso aconteceu na Penha por obra e graça dos mandatários da Vila Cruzeiro? O assassinato da vereadora Marielle Franco foi mais um ato de terror, praticado por quem aprendeu há muito tempo que o poder de verdade é o poder das armas e do dinheiro. O resto é perfumaria.
O Rio de Janeiro é uma cidade oprimida. Há décadas o carioca, seja rico ou seja pobre, tem medo de andar nas ruas, do arrastão nas praias, dos assaltos, dos tiroteios, dos sequestros. São milhões governados pelo medo, pela hipocrisia dos que governam pactuados com o regime de terror imposto por diversas facções, cada uma no seu território, seja a Rocinha, o Alemão, o Jacarezinho, São Carlos, Rato Molhado, Prazeres, Adeus, Boréu, Mangueira, Vigário Geral, Salgueiro, Maré, Vila do João, Vila Vintém, Vidigal, Pau da Bandeira, Chapéu Mangueira e tantos outros. Não existe favela livre no Rio. São Milhões comandados pelo medo. Pobres, ricos, remediados, todos misturados, de São Conrado a Santa Cruz.
O escritor espanhol Fernando Aramburu expos as entranhas do grupo terrorista ETA no seu best seller Pátria. Durante décadas o Norte da Espanha, conhecido como país Basco, uma das regiões mais ricas da Europa, foi dominada pelo terror. Comunidades inteiras eram tiranizadas, execuções eram feitas a qualquer hora com tiros, bombas e, principalmente, a arrogância e a soberba dos que tem certeza da impunidade.
Mesmo presos, seus líderes eram exaltados, exatamente como fazem com Marcinho VP, Fernandinho Beira Mar e outros “heróis” tratados como mito pela imprensa e reverenciados pelos jovens, que crescem com a visão distorcida de que poder é opressão e violência, não importa se vem da polícia ou da cocaína. E isso não acontece só aqui. Pablo Escobar ainda é reverenciado na Colômbia, assim como El Chapo no México. O mais incrível é que as vítimas destes assassinos, que sofreram com os tiroteios e todos os transtornos, ainda são capazes de reconhecer neles qualidades incríveis. É como bater palma para Hitler ou Slobodan Milosevic. A diferença é que estes últimos chegaram ao poder pela política e os outros pelo pó.
A liberdade faz a diferença. A tirania é igual para todos: o sofrimento é o mesmo, o medo é o mesmo, assim como a sensação de impotência, a insegurança, o nojo de ser obrigado a se submeter a um poder movido unicamente pela violência. Os tiranos são iguais, sejam eles do ETA, do Comando Vermelho, do PCC, das milícias, das Farc, dos Amigos dos Amigos, da Família do Norte, dos nazistas, dos talibans ou do Boko Haran.
Na promulgação da Constituição de 1988, Ulysses Guimarães lembrou que “a sociedade é Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”, numa homenagem ao deputado executado pelos terroristas da ditadura militar. Em 2018, a sociedade é Marielle, não os covardes planejadores e executores da sua morte. É este o recado a emergir dos protestos em todo o Brasil.
Não interessa se para alguns ela era defensora dos direitos humanos e, para outros, defensora de bandidos. Nem se era jovem, de esquerda ou negra. Antes de tudo era representante de um povo dominado e oprimido por traficantes e milicianos, eleita legitimamente, consciente do seu papel e merecedora de todo respeito. Foi executada em plena jornada de trabalho, tratada como lixo pelos terroristas. É num momento como este que o verdadeiro estado democrático de direito tem de reagir, usar toda sua força e legitimidade para defender a sociedade e a democracia. Não pode transigir.
O ministro Raul Jungman, deveria reconhecer que o tal estado paralelo é na realidade um estado de terror, capaz de se impor pela força das armas pesadas e da cumplicidade dos demagogos, corruptos e usurpadores; uma elite podre, leniente com a bandidagem e com enorme desprezo pelos pagadores de impostos que financiam toda esta impostura. A cada eleição fizeram desta sociedade sem escola, sem saúde e sem segurança, cumplice e refém. Permitiram a ampliação dos domínios do terror na medida que o verdadeiro Rio de Janeiro ia descendo a ladeira. Mesmo sendo o maior produtor de petróleo, sua Bolsa de Valores minguou, a indústria encolheu, a academia virou sucata, o dinheiro rareou, a decadência mostrou sua cara desbotada no abandono de uma das mais lindas capitais do mundo.
É preciso acabar com o terror, não apenas em nome da liberdade de expressão, de votos, de palavras, de escolhas, mas porque isso representa dar um basta à tirania à opressão, à condenação de milhões de pessoas à pobreza. Nossos verdadeiros heróis foram Mauá, João Cândido, Milton Santos, Carolina Maria de Jesus, os milhões de negros, mulatos, índios, caboclos, imigrantes da Europa, África, Oriente e Ásia que com sua multiplicidade de talentos, energias e culturas ergueram o Brasil que herdamos e o transformaram numa das dez maiores economias do mundo. Os barões do pó não foram, são e nem nunca serão heróis, merecem apenas repúdio e nojo.