E a intervenção militar no Rio, como vai? – me perguntam conhecidos (todos acham que jornalistas são sempre bem informados, é uma coisa engraçada), especialmente os que moram em outras cidades. Se eu estiver frente a frente com a pessoa, eu baixo a cabeça, respiro fundo, pigarreio – mesmo sem fumar -, faço um círculo com a ponta do pé e, se a pessoa ainda estiver esperando por uma resposta firme, eu digo o que penso. Se for por telefone ou pelas redes sociais, eu dou uma pausa proposital. Se ficar aquele silêncio constrangedor, eu digo o que penso. Se perceber que o interlocutor espera uma resposta empolgada, digo vagamente que as coisas estão indo e que os militares estão só esquentando os urutus. E, diante da impaciência, lembro que o ministro da Defesa, o ex-comunista Jungmann, e o quatro estrelas da hora, Walter Souza Braga Netto, vão anunciar semana que vem o “roteiro da intervenção”. Seja lá o que isso signifique. Já vi tantos roteiros, nesses últimos 20 anos morando na cidade, que virei, involuntariamente, um crítico de intervenção.
Jungmann, aliás, é um sujeito engraçado. Se você esquecer o papel que ele topou representar nessa ópera temerária, pode até se convencer de que ele é um bom sujeito, daqueles que tomam um chope com os coleguinhas ao final do expediente e atendem o telefonema do plantonista da sucursal no fim de semana. Pois bem, ao ser indagado se o anúncio do tal plano de ação seria mesmo na semana que vem, Jungmann respondeu: “I hope so”, assim mesmo, em inglês. Vejam que charme. Michel Temer tinha acabado de participar, pela primeira vez desde que os civis voltaram ao poder, de uma reunião do Conselho Militar de Defesa, na sede do Ministério da Defesa. Didático e preciso como sempre, Temer explicou ter acompanhado “uma exposição sistêmica de tudo aquilo que as Forças Armadas fazem” – Ele não sabia? Que lástima – e que depois foi “brindado com um almoço muito agradável”. O cardápio não foi divulgado, mas suspeita-se de que foi servido linguado.
No mundo real, a intervenção continua bem diferente do anúncio margarina que o governo federal mandou publicar no Globo, a um custo qualquer. Imagens cada vez mais preocupantes chegam às redações, que, reconheça-se, têm pelo menos deixado transparecer que há algo de podre no reino verde-oliva. A foto de uma estudante negra observando um soldado do exército com um fuzil, durante um baculejo de estudantes mirins, estampada na primeira página da Folha de S.Paulo, felizmente, provocou alguma comoção. O engraçado é que outra foto, igualmente forte, de militares armados revistando crianças, bombou nas redes sociais como se tivesse sido tirada durante esta intervenção. Já tinha 50 mil compartilhamentos quando percebeu-se que tinha sido tirada em novembro de 1994, na entrada de uma escola na favela Dona Marta, em Botafogo. Longe de um alento, a confusão só mostra que vem de longe a busca por soluções fardadas para problemas sociais graves.
Mas nem só de revistas de crianças vive a pré-intervenção de Temer. Fuzileiros navais, em operação das Forças de Segurança com as policiais Militar e Civil, “ficharam” moradores da Vila Kennedy, da Vila Aliança e da Coreia, na Zona Oeste do Rio, nesta sexta, 23. Várias pessoas foram abordadas no meio da rua e fotografadas junto com seus documentos de identificação, incluindo homens, mulheres e idosos. Você verá muitas fotos disso nos próximos dias e poderá decidir se é justo ou não. Sugiro apenas que tente – é difícil, certo? – se imaginar no lugar do morador apavorado, constrangido. Sim, a situação da segurança é gravíssima. Mais grave, ainda, porém, é as insensibilidade da maioria para os excessos, que mal começaram. E olha que os militares são bons nisso.
E o Exército, descampado aberto, se assanhou de vez. A frase do ano ainda fica com o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, para quem os militares que atuam na intervenção da segurança do Rio precisam de “garantias” para que não enfrentem “uma nova Comissão da Verdade”. O que seria isso? Um habeas corpus preventivo para matar? A frase, revanchista até os coturnos, refere-se à comissão, que funcionou entre 2012 e 2014, e apurou as violações de direitos humanos ocorridas durante a Ditadura de 1964, tendo como foco principal os desaparecidos políticos.
Depois disso, veio a ideia – Jungmann como porta-voz, afinal alguma ideia tosca tinha que vir de um civil – de um mandado de busca coletiva, uma espécie de AI-5 com Botox. O mandado de busca e apreensão, como qualquer estagiário de direito sabe, deve ser individualizado, apontando de forma clara o local, o motivo e as finalidades da busca na casa da pessoa, e isso está escrito no Código de Processo Penal. Mas vivemos um período de exceções, certo? Como escreveu a procuradora Deborah Duprat, chefe da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a mandado coletivo pressupõe que moradores de bairros pobres são “naturalmente perigosos”.
A última da caserna é que o Exército vai estudar a criação de uma empresa pública que seria vinculada ao comando da organização. Oi?
Enfim, não esqueça. A intervenção federal no Rio de Janeiro – que deve durar pelo menos até dezembro de 2018 – deixa as Forças Armadas pela primeira vez no comando total da segurança de um Estado brasileiro. Total. Em ano eleitoral. Eleitoral