Nove mil quilômetros separaram o ex-presidente, duas vezes eleito, que será condenado em segunda instância pela Justiça brasileira e o deputado-presidente que chegou ao cargo pelo oportunismo político que levou ao impeachment de Dilma Rousseff – para muita gente, um golpe parlamentar. Existe uma involuntária ironia no fato de Michel Temer ter se abrigado nos dois graus de Davos, na Suíça, paraíso fiscal em decomposição, que luta para manter seu sistema bancário opaco, enquanto Lula era julgado e condenado na terra natal da Cadeia da Legalidade – movimento desencadeado pelo então governador Leonel Brizola no Rio Grande do Sul para garantir a posse do conterrâneo João Goulart na Presidência. Foi a única vez que um movimento liderado por civis peitou um golpe, que acabaria apenas sendo retardado.
Lula acompanhou sua condenação de São Paulo, ao lado dos trabalhadores, depois de estar na véspera no Rio Grande, enquanto Temer, com enorme comitiva, carimbou seu passaporte em um evento onde sua presença não tem qualquer importância. Há quatro anos não se registrava a participação de um chefe de Estado brasileiro. Pesaram menos as recomendações médicas – Temer passou por três procedimentos cirúrgicos nos últimos meses – e mais o marketing político. Se estivesse em Brasília, seria pressionado pelo tema e não poderia fazer agenda pública. Já em Davos, conseguiu um palco internacional para falar de economia e fazer propaganda de suas reformas sem enfrentar questionamentos mais diretos.
Afinal, enquanto Lula, a última lembrança de prosperidade do país, ganha ficha suja, Temer, que sonha em ser lembrado como o estadista da retomada, discursava para investidores e empresários estrangeiros para dizer que está tudo bem. Em sua fala, mais do mesmo, insistiu que está “transformando” o Brasil e, claro, atacou os governos petistas, do qual ele e seu partido fizeram parte, no mais amplo sentido, alertando para o populismo econômico e lembrando que “herdou” uma crise.
Temer chegará do frio suíço com Lula condenado, e com um enorme desafio político e jurídico para chegar como candidato sub judice até outubro. Será, de alguma forma, um país diferente.