A geração pós-Lava Jato, acostumada à fartura de prisões de políticos, doleiros, marqueteiros e empresários, talvez estranhe um certo frisson de velhos homens da imprensa em torno da prisão estalando de nova contra um certo deputado federal do PP paulista. Na manhã desta quarta, 20, atendendo determinação do ministro Edson Fachin, do STF, o deputado Paulo Maluf se entregou na sede da PF de São Paulo, depois de um trânsito de 30 minutos entre sua mansão, nos Jardins, e sua nova casa provisória. Vai cumprir, num primeiro momento em regime fechado, pena de 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão, além de perder o mandato. Acusado pelo Ministério Público Federal de usar contas no exterior para lavar dinheiro desviado da Prefeitura de São Paulo, quando foi prefeito, entre 1993 e 1996, “Doutor Paulo” foi condenado em maio deste ano por lavagem de dinheiro, recorreu e perdeu. José Carlos Blat, da Promotoria de Defesa do Patrimônio de São Paulo, um dos vários promotores que investigam Paulo Maluf por suspeitas de corrupção há quase duas décadas, deve estar se beliscando até agora.
Fim da linha para o “Doutor Paulo”? Melhor esperar os próximos capítulos. O fim da carreira de Paulo Salim Maluf, uma espécie de dinossauro político da era pré-delação premiada, pré-tornozeleira eletrônica, pré-tudo, já foi decretado diversas vezes. Sua longevidade frustrou a todos. A última vez que o mataram politicamente foi em 2013, condenado pelo TJ de São Paulo por improbidade administrativa em superfaturamento nas obras do túnel Ayrton Senna, uma de suas últimas “obras faraônicas”, marca registrada do administrador do lema “rouba, mas faz”. Maluf ficou onde estava. Com mandato intacto, implante escovado, óculos de fundo de garrafa e o largo sorriso a la Silvio Santos.
São 86 anos de serviços prestados por esse filho de pais de origem libanesa, atualmente em seu quarto mandato como deputado federal, depois de ter sido governador biônico (1979-1982) além de duas vezes prefeito de São Paulo (1969-1971, igualmente alcaide biônico, nomeado pelo governador Abreu Sodré; e 1993-1996). Ex-Arena, ex-PDS, ex-quase tudo de centro-direita e fisiológico que esse país produziu, Maluf fez escola servindo aos regimes militares, inclusive como candidato contra Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985, a última eleição indireta dos estertores da ditadura.
Preso, preso, Maluf só havia estado por 30 dias, em 2005, junto com seu filho Flávio, na PF em São Paulo, acusados de formação de quadrilha, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Nada parecido com essas prisões intermináveis dos dias de hoje. Em outubro do ano passado, ao prestar depoimento na ação em que é acusado de ter praticado caixa dois nas eleições de 2010, usando sua empresa Eucatex, Maluf usou uma das frases lapidares que constrói para debochar da política. Perguntado se já havia sido preso, saiu-se com essa: “Não fui preso, fui solto”.
“Por tudo isso, é uma decisão histórica. Foram diversas as ações que fizemos de crimes praticados por Maluf enquanto prefeito de São Paulo. A prisão dele é um recado de que não há impunidade”, afirmou ao UOL, Silvio Marques, secretário-geral da Promotoria de Patrimônio Público de São Paulo. Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos advogados de Maluf, retende apresentar medida cautelar para suspensão do processo de execução da pena. Outra possibilidade é solicitar à Justiça que ele cumpra prisão domiciliar.
Maluf é alvo de denúncias pelo menos desde a década de 70, como uma folclórica ação popular da qual foi alvo quando resolveu presentear com um fusca cada um dos jogadores da seleção brasileira campeã da Copa do Mundo daquele ano. Ele acabou absolvido décadas mais tarde. Maluf é assim mesmo, um sobrevivente, filhote da ditadura, da lama, de um país que, com essa classe política, não podia mesmo dar certo.