1968 foi um ano que marcou a história de vários países de maneira profunda. Hoje, dia 3 de maio, completam-se cinquenta anos que a invasão da Sorbonne, a principal universidade de Paris, transformou-se em símbolo de protestos que se alastraram por toda a França e pelo mundo. E não somente no campo estudantil, mas em inúmeras questões que dormitavam na sociedade. O que era “somente” um desagravo ao então presidente Charles De Gaulle ganhou contornos internacionais.
Em janeiro de 68, Alexander Dubcek, assumia o poder na antiga Checoslováquia. Botou em prática a política de reformas que ficou conhecida como “Primavera de Praga”. Pregava o descolamento de seu país da então União Soviética. Em represália, o exército russo invadiu a hoje República Tcheca, com conflitos sangrentos, mortos e feridos.
Também no começo do ano, em vários países houve protestos contra a Guerra de Vietnã, que acontecia noticiada pela imprensa, com bombardeios diários e milhares de mortos. Era o centro da chamada Guerra Fria entre os Estados Unidos e Rússia. Meses depois, em Memphis, no Tennessee, era assassinado o líder negro Martin Luther King, defensor de direitos para os trabalhadores.
Nos Jogos Olímpicos a causa racial ganhou uma imagem que circulou o mundo: os atletas negros, americanos, Tommie Smith e John Carlos subiram ao pódio para receber as medalhas de outro e bonze dos 200 metros rasos, com o braço levantado e o pulso cerrado, em louvor a Luther King. A Olimpíada, aliás, teve sede compartilhada entre México e Estados Unidos. Na Europa, as manifestações invadiram as ruas da Bélgica, Itália, Alemanha. Nas Américas, a Argentina, Uruguai, México, Venezuela.
O movimentado ano de 68 realmente mexeu com as autoridades constituídas. Até a Igreja cuidou de atualizar-se com a juventude. O Papa Paulo VI, não postergou a oportunidade de expandir os limites do Vaticano. Promoveu a Conferência-Geral do Episcopado da América Latina, na Colômbia. Era oportuno modernizar o papo com os fiéis católicos.
Em vários lugares o ano de 1968 deixou, enfim, marcas históricas. Extrapolou a seara da política. Mexeu também nos costumes da sociedade, como o ápice do movimento hippie. Os Beatles, liderados por John Lennon, lançaram o famoso disco de capa branca, sem título, uma alusão à paz. Ainda nas artes, o surgimento de nomes que estão entre nós até hoje. Na Broadway, em Nova Iorque, estreava “Hair”, obra teatral que desabria preconceitos e mexia em conceitos até então adormecidos.
No Brasil, deram start e passaram a consolidar suas carreiras. Por exemplo, Caetano Velloso, Chico Buarque de Holanda, Tomzé, entre tantos. No teatro, José Celso Martinez lançou a famosa peça “O Rei da Vela”, considerada inadmissível pelos censores do regime militar. As mulheres foram às ruas, em passeatas. Geraldo Vandré ganhou o Festival Internacional da Canção com a música “Prá Não Dizer Que Não Falei de Flores”. Obviamente, a formidável e revolucionária criação também foi censurada.
No Brasil, vivíamos sob domínio do segundo governo do regime militar, com o marechal Arthur da Costa e Silva a presidir a República, em substituição do general Castello Branco. A famosa Passeata dos 100 Mil, no Rio, e a prisão de líderes estudantis no Congresso da UNE, em Ibiúna, em São Paulo, somaram-se ao violento episódio da invasão da polícia ao restaurante do Calabouço, também no Rio, que culminou com a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto. Também começaram a surgir as primeiras greves de trabalhadores. E perigosas militâncias da luta armada.
Mas foi em dezembro de 1968 que o tempo fechou de vez, no Brasil. Decretado pelo presidente Arthur da Costa e Silva, em 13 de dezembro, o Ato Institucional Número Cinco fechava o Congresso por prazo indeterminado, impunha o recesso dos mandatos de senadores, deputados e vereadores. Em defesa dos princípios da Revolução de 1964, o AI-5 autorizava a intervenção nos estados e municípios. Também dava ao Chefe-do-Executivo o poder de instaurar o estado-de-sítio, suspendendo qualquer tipo de manifestações públicas de caráter partidário.
Além disso, O AI-5 criava a censura prévia à imprensa e às artes, assim como suspendia o direito de habeas corpus para os chamados delitos políticos e ainda lhe permitia o uso de decretos-lei. Ou seja, para entrar em vigor, não era necessária a aprovação pelo Congresso.
É, o ano de 1968, que digamos despertou a liberação da juventude, agora é cinquentão.
Orlando Brito