Preste atenção nesse banquinho de madeira aí da foto, observado pelo menino à esquerda. Foi sentado nele que Che Guevara foi morto, há cinquenta e três anos na pequenina vila de La Higuera, na Bolívia.
Nascido na Argentina, Che era médico e tinha então 39 anos. Percorreu de motocicleta toda a América Latina até chegar a Cuba, onde juntou-se a Fidel Castro na luta contra o ditador Fulgêncio Batista. Tornou-se guerrilheiro e um dos ícones do Século XX.
Ernesto Che Guevara foi capturado no meio de um riacho seco, no fundo de um vale chamado Quebrada Del Churro, a 3600 metros de altitude, distante 150 quilômetros de Santa Cruz de La Sierra, uma das principais cidades da Bolívia. Além dele, outros 14 revolucionários também foram presos. Estavam desnutridos. Alguns doentes e todos abatidos.
O grupo liderado por Che Guevara foi cercado por um pelotão de 600 homens do Exército da Bolívia. A tropa de militares era comandada pelo capitão Gary Prado, treinado pela CIA – órgão de inteligência dos Estados Unidos – para combater a subversão na América Latina. Depois de duas horas de fogo pesado, restaram mortos “Miguel”, “Júlio”, “Coco Peredo”, companheiros de Che. Do batalhão, quatro soldados também morreram. Conta-se que dois bolivianos aliados de Guevara conseguiram desertar, no meio do tiroteio, correndo pelo desfiladeiro. Os demais foram presos.
Ferido na perna e impossibilitado de caminhar, Che foi levado nas costas pelo companheiro “Benigno” até La Higuera. Lá, um vilarejo de apenas 40 casas, o guerrilheiro argentino que virou o grande mito da juventude do Século XX, seria morto com seis tiros desferidos por um tenente bêbado, Mário Terán, em 9 de outubro de 1967. No dia seguinte, o corpo foi levado para Valle Grande e apresentado como troféu pelas autoridades numa lavanderia no quintal de um pequeno hospital.
Somente trinta anos depois, é que seu cadáver foi descoberto. Hoje, portanto, 53 anos atrás, Che Guevara, era morto. Estava sentado nesse banquinho de madeira ai da foto.
Como foi – Jamais imaginei que a foto de uma pedra, imóvel, fosse ter tanta significância. Depois de cinco dias embrenhados nos confins da Bolívia, tínhamos uma certeza: só mesmo um apego irrenunciável à ideologia – ou à loucura – podia levar àquele fim de mundo alguém que não fossem os pouquíssimos nativos da região.
Éramos dez, divididos em dois jipões Land Rover. Jornalistas brasileiros, somente eu e Dorrit Harazin, a única mulher do grupo. Havia ainda um radialista holandês, um historiador belga e um pesquisador americano. Além de nós cinco, quatro guias bolivianos e um alemão, mateiros e chefe da viagem. Era 1997. Dorrit e eu estávamos fazendo para a revista Veja uma matéria sobre os trinta anos da morte sem corpo do guerrilheiro amigo de Fidel Castro.
Coincidiu com a localização dos restos mortais do Che. O certo é que estávamos ali, na pequena escola de La Higuera, onde ele viu passar por seus olhos os últimos momentos de sua vida.
Após dez dias de viagem, percorrendo montanhas, cruzando rios e matas em estradas de terra do interior da Bolívia, chegamos ao fundo do Vale do Churro. Fizemos uma caminhada de duas horas para descer e outras três para subir, um cenário infernal. E eram somente dois quilômetros de onde deixamos os jipes.
Lampião chamaria de inferno se o comparasse à caatinga do Nordeste brasileiro. Vegetação de garranchos e espinhos, terreno acidentado e sem caminhos. Impossível compreender como Guevara queria mudar o mundo a partir daquele deserto. Nem gente havia para aderir àquela revolução. Nem jovens, nem velhos. Nada mais além de ratões e cobras, meia dúzia de índios mascando folhas de coca e alguns urubus.