Corria o ano de 1978. Ninguém queria confusão com os milicos. Ainda mais nós, jornalistas, que cobríamos o Palácio do Planalto. Os chefes dos jornais para onde cada um nós trabalhava sempre nos alertavam para atitudes que pudessem ser motivo de uma possível cassação do credenciamento na Presidência. Afinal, estávamos em pleno regime militar.
Um belo dia, viajamos a Berlim para a cobertura da ida do general Ernesto Geisel, que foi tratar do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Três dias de matérias sobre o tema do momento. Matérias sobre tudo do assunto. Idas às usinas, reuniões de ministros dos dois países, encontros com o chanceler Helmut Schmidt, toda a agenda da viagem.
O presidente retornou ao Brasil numa quinta ou sexta-feira. Tínhamos, portanto, uma chance rara de ir até à “outra Alemanha”. Com avião marcado somente para a segunda-feira, José Carlos Bardawil e André Gustavo Stumpf, além de outros dois colegas de viagem e eu, à época fotógrafo do Globo, conseguimos um guia que “tinha um esquema” para nos levar ao “lado de lá” sem nenhum problema. Fomos.
A maior apreensão. Eu mesmo nem pude, por orientação do nosso misterioso cicerone, levar minhas câmaras. Tive que ir a uma lojinha de equipamentos fotográficos e comprar uma discreta maquininha de foco automático que me deixasse parecido com um turista. Tomamos o maior cuidado para ninguém saber que íamos atravessar o muro de Berlim, ainda que por duas horas, à Alemanha Oriental, à época sob regime comunista.
O frio era terrível e por isso usávamos pesados capotes sobretudo, chapéu e cachecol. Eram aliados para nos proteger não somente da neve fininha, mas também a nossa identidade. Estávamos atentos ao cuidado de não sermos de alguma forma reconhecidos – nós credenciados no Planalto durante o regime militar – por algum espia que nos dedurasse.
Caminhando numa rua perto do muro que separava as duas Alemanhas, vimos da janela de nossa camionete, ao longe, um coronel que servia no Gabinete Militar do Palácio Planalto, feliz da vida por estar em Berlim Oriental. Ele nem percebeu que o tínhamos visto em lugar tão impróprio para um oficial que servia na Presidência do Brasil naquela época.
Ficamos, depois, no voo de retorno a Brasília, achando que era indício de que o Brasil estava mesmo em processo de reabertura política. E na duvida de que no Planalto não havia somente o militares inteiramente afinados com o regime vigente daquela época. E na incerteza de que podíamos ter nossas credenciais cassadas.
Onze anos após, em novembro de 1989, o muro de Berlim vinha a baixo e as duas Alemanhas voltavam a ser uma só. Agora, 30 anos depois, há movimento para novamente dividi-las.
Orlando Brito