Tenho muitos amigos e amigas com quem troco impressões sobre o que acontece na seara do poder, na vida do país etc. Uma dessas pessoas é a Doutora Maria Thereza Waisberg, professora de psicologia e mestre em filosofia. Mostrei essa foto aí à Dra Maria Thereza. E ela resolveu brindar os leitores de Os Divergentes com o texto que se segue, sobre um dos temas que trouxe aflição aos brasileiros no ano de 2016: a corrupção.
Uma foto pode ser uma prova instrutiva e irrefutável. É tão evidente que não é preciso insistir nisso. Mas, ao mesmo tempo, ocorre com frequência que não se sabe bem o que ela prova. Uma fotografia, contudo, é prova viva a revelar o aspecto caricatural do cidadão brasileiro típico, que saiu às ruas, perplexo e revoltado, para manifestar a sua indignação contra a corrupção endêmica no Brasil.
Mais do que revelar a fantasia de que a justiça há de prevalecer prendendo enfim os responsáveis, Orlando Brito, a exemplo, conseguiu também captar a aura de ironia do momento histórico do ano de 2016, que enfim passou. E passou marcado por sucessivos escândalos das delações premiadas, em que o homens públicos indignos e sem caráter ainda estão com as mãos manchadas pelo dinheiro roubado.
Porém não se deve acreditar demais no que se vê. Uma foto não passa de uma superfície. Não tem profundidade, mas uma densidade fantástica. A foto do homem comum, que protesta e ri como se estivesse fantasiado para o carnaval, esconde outra, atrás dela, sob ela, em torno dela. Questão de tela. Palimpsesto.
Corrupção significa transação ou troca entre quem corrompe e quem se deixa corromper. É uma forma particular de exercer influência ilícita, ilegal e ilegítima. Amolda-se ao funcionamento de um sistema, mais precisamente ao modo de como se tomam as decisões. Da corrupção já sabemos os efeitos. Porém não se pode tocar em algo que é da ordem abstrata do comportamento cultural de quem desempenha um papel público.
Se a corrupção é um modo de influenciar as decisões públicas, quem dela se serve a usará na fase de elaboração das decisões. Bem enraizada no terreno fértil do oportunismo brasileiro típico, a corrupção é o trampolim para a obtenção de um acesso privilegiado ao sucesso sem esforço. Como na “lei de Gerson”, quando todos se sentem na missão quase messiânica de levar vantagem em tudo, o tempo todo, sem medir as consequências de seus atos, e doa a quem doer, seu êxito de deve tanto à elasticidade da formulação quanto do excesso de regras no jogo político.
Não se pode servir simultaneamente a dois senhores, porém, no Brasil, a corrupção tem servido absurdamente a dois senhores. Um deles contribui para ampliar a apatia e o alheamento das massas. O outro, em surdina, contribui para melhorar o funcionamento do sistema e para torná-lo mais expedito ao desbloquear certas situações, outrossim, impossíveis de ser resolvidas em curto prazo devido ao excesso de burocracia. A corrupção é menos que um paliativo, mas é uma ponte ao impossível.
Momentaneamente funcional, sobretudo quando os obstáculos de ordem jurídico-formal impedem o desenvolvimento econômico, a influência de uma verdadeira máquina de corrupção que envolve todos os escalões do Estado, resulta, hoje, no visível desastre econômico, ferindo no íntimo o próprio sistema que lhe dava sustento.
Ao exercer o tipo mais danoso de privilégios de influência, reservado a aqueles desonestos empreiteiros que tiveram meios financeiros para bancá-la, e aos burocratas que se serviram, à larga, para atender aos mais sórdidos interesses pessoais, chegamos no fim do poço com o desgaste do mais importante dos recursos do sistema, a sua legitimidade.
Maria Thereza Waisberg é doutora em psicologia pela USP e mestre em filosofia pela UFMG. Trabalhou como professora na pós-graduação da Fundação João Pinheiro em Minas Gerais. É psicanalista clínica.