Não é a primeira vez que escutas telefônicas envolvendo grandes nomes da República acontecem no Brasil, como agora no episódio das Polícias Federal versus Polícia Legislativa.
Impensável, mas aconteceu. Mesmo com o rigor, atenção, segurança e a vigilância do regime militar, o presidente João Figueiredo teve um aparelho de escuta colocado clandestinamente em seu gabinete de trabalho. Logo ele que sabia tudo sobre o assunto, já que antes de sentar-se na cadeira presidencial, fora chefe da Casa Militar da Presidência da República na época de Garrastazú Médici e do Serviço Nacional de Informações, órgão de inteligência do governo Ernesto Geisel. O SNI era o terror para muita gente. Aquele que fosse alvo do temido SNI não tinha estava sossego.
Como foi o episódio Figueiredo: Eu mesmo, fotógrafo do jornal O Globo que cobria a Presidência vi de perto o desenrolar do caso. Aconselhado por assessores próximos, o presidente João Figueiredo resolveu mudar tudo em sua sala de trabalho do Planalto. O general às vezes reclamava que seu gabinete era antigo, mal distribuído, precisava de decoração alegre etc. Alguns assessores, na verdade, diziam que nem precisava, mas Figueiredo acabou autorizando a mudança. Afinal, após a mudança, na nova versão, o lugar ficaria mais iluminado. Receberia a luz do sol do Planalto Central porque, ganhando vidros blindados, as cortinas poderiam enfim ficar abertas.
Para que as obras corressem sem atropelos, o presidente resolveu despachar no Palácio da Alvorada. Por bom tempo dividiu o local de trabalho e a residência entre a Granja do Torto e o Alvorada.
Um belo dia, o serviço de segurança da Presidência convocou a imprensa para uma entrevista coletiva. Algo muito estranho para a época, entrevista coletiva oferecida pela segurança do presidente. E isto durante o regime militar. Antes de devolver as instalações para uso do presidente, fez-se uma minuciosa varredura eletrônica. Estava lá o “grampo”, escondido atrás do novo revestimento de madeira, bem perto da central telefônica do gabinete presidencial. Quando chegamos, os jornalistas fomos encaminhados diretamente ao gabinete recém-reformado. Para nossa surpresa, foi-nos apresentado pelo comandante Siqueira um artefato que a gente até então sabia que existia, mas jamais tinha visto. Era essa peça aí da foto, uma caixa de maneira com um conjunto de microfones e baterias para manter em funcionamento os tais aparelhos. Parecia uma peça empírica, montagem caseira, sem a sofisticação que todo mundo imaginava.
O oficial, especializado em informações, explicou que o aparelho era composto de três baterias, uma antena e pequenos estojos que funcionavam como estações transmissoras de ondas de rádio. Nas extremidades da caixinha de madeira, o “grampo” propriamente dito. Ou seja, duas presilhas que tinham a função de conectar o sistema aos cabos do telefone. Não muito distante dali, muito provavelmente em uma das salas vizinhas no terceiro andar do Planalto, outro aparelho se encarregava de gravar o que era dito por Sua Excelência.
Entretanto, o que mais nos chamou atenção, é que o próprio general Figueiredo não deu a menor importância ao fato. Desdenhou. Talvez por essa razão nunca se descobriu a identidade de quem tentou grampeá-lo. Foi notícia dos jornais durante uma semana. O tal “quem foi, quem não foi o autor?”. E o tema acabou desaparecendo do noticiário. Sinistro…
Recordando: Tancredo Neves e José Sarney tiveram suas conversas intensamente gravadas por “arapongas”, apesar do cuidado que sempre tiveram ao falar ao telefone. Não foram, porém, os únicos a ser monitorados por gravações clandestinas, além do general João Figueiredo em pleno exercício da Presidência, em 1983. De lá para cá, a tecnologia sofisticou-se e a aparelhagem para isto aperfeiçoou-se. Mais recentemente, a ex-presidente Dilma Rousseff também foi vítima de espionagem e o fato acabou por criar distanciamento dos governos brasileiro e americano. Ela mesma reclamou a Barak Obama.
Também o senador Demóstenes Torres – que acabou perdendo seu mandato parlamentar por envolvimento no escândalo do empresário de Goiás Carlinhos Cachoeira – e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, foram alvos de espionagem, em 2012. Nessa época, dizia-se que eram quatrocentos mil o número de telefones monitorados em todo o Brasil.
Quando Fernando Collor assumiu a presidência, uma de suas primeiras medidas foi extinguir o tal SNI. Pôs fim ao SNI e criou a SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos. Ainda assim, descobriu-se que os agentes do novo órgão criado por ele próprio estavam xeretando os diálogos da ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Depois de Collor, também os presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso também não ficaram imunes às escutas ilegais.
Orlando Brito