O Ministro Flávio Dino associou os ataques ao colégio de Blumenau ao 8 de Janeiro, pois, segundo ele, em ambos os crimes há “… influência da ideia de violência extremista a qualquer preço, a qualquer custo. O ethos, o paradigma de organização do mundo que golpistas políticos e agressores de crianças, assassinos de crianças têm, é o mesmo, é a mesma matriz de pensamento, é a matriz da violência…” Simples assim?
Flavio Dino tem parte de razão ao situar os eventos da ocupação de prédios dos três poderes e o assassinato de quatro crianças numa creche de Blumenau como tragédias cujo pano de fundo é a crescente insegurança geral em grande medida resultante da organização do mundo, predatória, seletiva.
De fato estamos diante de um mundo dilacerado por grandes problemas estruturais, institucionais, sociais e culturais. Eles evidenciam um inegável déficit de modernidade com progressivo desgaste da democracia e consequente ascensão de forças reacionárias. Populistas iliberais, mas também populistas progressistas encontram-se nessa esquina histórica.
Mas esse estado de medo e desesperança generalizado implica e abrange muitas situações, antigas e recentes, cumulativas, confluentes, sobrepostas, ou não. Mais que crises elas apontam para mutações e uma grande metamorfose, segundo Ulrich Beck.
Qualquer redução sociológica na gênese da violência produz ou amplia consequências, colaterais evidentes ou ocultas. Importante observar discursos e entrelinhas sobre a (des)ordem, relacionando o que procede nas intenções (boas ou ruins) e seus efeitos.
Aqui a crítica é dirigida, especificamente, à fala do Ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo Lula, um ex-militante do PC do B, hoje filiado ao PSB. Essa formação o legítima e o condiciona em suas funções públicas.
Faz-necessário um parêntese para delinear contextos ideológicos e contingências históricas configurados nas polarizações reais e falseadas. Eles podem ajudar e esboçar cenários e alternativas contra todas as formas de barbárie, independente da coloração.
Os socialismos reais não morreram em 1989/1991 e fazem parte desse estorvo geral, o mal-estar global e nacional. Atribuir todos os males à direita é exagero grotesco e erro imperdoável. O período 2018/2022 somente agravou desarticulações já enraizados no nosso ornitorrinco cultural.
De fato, Bolsonaro recrudesceu a tendência de conversão da direita conservadora alijada das demandas sociais mais urgentes, em ultradireita com propostas moralizantes e reformistas, desdenhando do estado de direito.
Flavio Dino é um dos bons generais nessa batalha contra o populismo ultraconservador bolsonarista. Mas o atual Ministro da Justiça, mesmo crítico (sonhou com uma terceira via ao sair do seu partido, o PC do B, ensaiando estratégias eleitorais fora da polarização Lula/Bolsonaro, acabando por apoiar organicamente ao primeiro Lula. É um homem do campo da esquerda comunista.
É importante não esquecer que por muito tempo a democracia foi considerada “burguesa” pelos muitos herdeiros de Lenin, tratada instrumentalmente, portanto. A crise da democracia liberal parece, perigosamente, dar razão a militantes mais ortodoxos, afinal, já anunciada na escritura marxista convencional. Daí estar diante de uma sinuca de bico.
É que temos um Gramsci desdobrado ou melhor, encalacrado em dois: o da legitimação da Revolução passiva (quais os ganhos ao optar por um dos capitalismos dominantes?) e aquele da renovação Leninista (guerra de posição, sim, para o avanço da guerra de movimento). Um renascer do contrafático? Igual Marx, o comunista sardo encontra-se tremendo no túmulo, desesperado com o a promiscuidade ensandecida nos usos de suas ideias.
Rememorando. Os direitos humanos eram considerados por Marx como parte da ideologia dominante. Imperava no século XIX o voto censitário, não universal. Votavam somente os grandes proprietários de terra e os portadores de títulos da nobreza. Essa percepção da democracia é parte da cultura socialista tradicionalista, ainda hoje, embora sob outra justificativa para o caráter falido e ideológico da democracia “burguesa”.
A restrição elitista do voto de qualidade é agora substituído através de uma forte cultura da desinformação. Sem dúvidas, essa visão de democracia despotencializa o imaginário político e os procedimentos de democratização. O que subjaz a essa compreensão? Comportamentos?
Flavio Dino aproxima-se, por vezes, das esquerdas militantes na dificuldade em abdicar do pressuposto que no processo social histórico de luta de classes, pode-se negociar com inimigos mas jamais tomá-los como adversários capazes de construir coletivamente alternativas institucionais para a reconfiguração radical do mercado, do Estado, do Direito, e principalmente, da cultura política democrática.
Daí parecem resultar muitas dificuldades de análise e de enfrentamento apropriado de situações tais quais aquelas do 8 de janeiro em Brasília e da chacina na escola de Blumenau.
O que importa hoje é mobilizar forças de segurança para prevenir novos ataques em colégios e nessas ações Flavio Dino necessita das polícias militares em todos os estados do Brasil, valorizando-as, capacitando-as, modernizando-as. Politicamente seria necessário para tal cessar as hostilizações gerais a bolsonaristas. Estes não formam um grupo homogêneo.
A aproximação com as Polícias Militares é uma grande oportunidade para o governo estreitar relações com setores comumente aliados do bolsonarismo, apoiando-os para o bom combate. Como operar esse esforço ao mesmo tempo em que alimentam-se ressentimentos ideológicos a cada discurso? Essa a grande questão.
Ou se muda essa postura ou muito se perderá, tanto em termos de segurança e vidas poupadas, como em termos políticos, alimentando o bolsonarismo, o extremismo da ultradireita, em detrimento da paz social.
É hora de distinguir terrores e terrorismos, a começar por afastar nossos próprios fantasmas.