Se não fosse o fuso horário pareceria apenas mais um amigável pingue pongue. Na manhã dessa quinta-feira (30), depois de um discreto desembarque em Brasília, no retorno de sua fuga na véspera da posse de Lula, Jair Bolsonaro, em um evento reservado para políticos e amigos na sede do PL, elogiou a oposição no Congresso e afirmou que o governo petista “não vai fazer o que bem quer do futuro da Nação”.
Para fiéis que interpretam suas falas como orientações messiânicas, e políticos oportunistas que aproveitam disso, o recado nessa fala algo vaga é que Bolsonaro assume a liderança da oposição e qualquer ação nos inquéritos judiciais contra ele será interpretada como perseguição política. Foi a primeira vez que Bolsonaro se antecipou a Donald Trump nos malabarismos para iludir o séquito de seguidores e tentar engabelar a Justiça.
Horas depois, o Grande Júri de Nova York aceitou uma denúncia criminal contra Trump por suborno à atriz pornô Stormy Daniels, pago com dinheiro da sua campanha eleitoral em 2016, para que ela não revelasse um caso que tiveram anos antes. Assim, ele se tornou o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a responder a uma ação criminal. A sua reação foi se declarar vítima de perseguição política por ser mais uma vez candidato a candidato à Presidência da República.
Nesse imbróglio, Trump tenta se esquivar de uma denúncia que parece bem fundamentada, mas é periférica em sua folha corrida. Ele tem contas bem maiores a prestar à Justiça, como a incitação a sua insana militância para invadir o Capitólio numa tentativa de melar o resultado da eleição presidencial, vencida pelo presidente Joe Biden.
Bolsonaro também tem encrencas a enfrentar em inquéritos nos quais está muito enrolado antes mesmo de prestar contas sobre a sua participação na tentativa de golpe no dia 8 de janeiro. Trump lá e Bolsonaro aqui tentaram virar a mesa da democracia, crimes muito graves.
Como Trump lá, Bolsonaro aqui terá que responder antes em outros inquéritos. Na terça-feira (4), segundo seus advogados, Trump comparecerá à Justiça de Nova Iorque, onde será fotografado e fichado como outros denunciados. No dia seguinte, Bolsonaro vai depor na Polícia Federal sobre as milionárias joias recebidas do governo saudita.
Nessa quinta-feira, na maior cara de pau, dando o dito por desdito, ele finalmente confessou o que todo mundo já sabia: as joias apreendidas pela Receita Federal, avaliadas em R$ 16,5 milhões, eram mesmo um presente para Michele Bolsonaro, que até hoje finge que não sabe do que se trata.
Depois de ter movido toda a máquina governamental no apagar de seu governo, com inúmeras carteiradas, pra tentar tirar no grito as milionárias joias apreendidas pela Receita Federal no Aeroporto de Cumbica, inclusive o fascinante colar cravejado de diamantes, Bolsonaro tentou emplacar uma nova cascata. Negou que tenha tentado resgatar o presente “na mão grande”. “Se eu quisesse camuflar isso aí, jamais descobririam isso aí”.
Quanto os demais objetos, apresentou uma justificativa que somente os mais incautos acreditarão. “Eles têm coisas que nós não temos: três esposas, por exemplo. Eles são muito bem-sucedidos. São riquíssimos, e eles procuram agradar as pessoas”. Cascata pra corar até os fiéis bolsonaristas.
Trump e Bolsonaro são pré-candidatos nas próximas sucessões presidenciais. Ambos têm antes que ultrapassar obstáculos judiciais e políticos. Fraudes fiscais e tentativa de burlar o resultado eleitoral na Geórgia perseguem Trump. Tem no seu encalço no partido Republicano o governador da Flórida, Ron DeSantis.
Antes de liderar a oposição Bolsonaro também terá que se desvencilhar de outros problemas com a Justiça. Sem foro privilegiado e a proteção do procurador-geral da República, Augusto Aras, que o livrou de muitos problemas nos últimos quatro anos, poderá responder a uma penca de crimes na Justiça Comum. Tais como a acusação de divulgar notícias falsas sobre a vacina contra covid-19 (INQ 4888); o vazamento de dados sigilosos de ataque ao TSE (INQ 4878); Inquérito das fake news, sobre ataques e notícias falsas contra ministros do STF (INQ 4781) e a acusação de interferência na Polícia Federal (INQ 4831).
Já no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pesam contra ele pelo menos 16 ações sobre abuso de poder político, abusos de poder econômico, político e uso indevido dos meios de comunicação social. Basta a condenação em uma delas para que Bolsonaro fique inelegível. Além disso, liderar a oposição dá trabalho, coisa a qual Bolsonaro nunca foi muito afeito.
Mas o entorno de Trump e Bolsonaro acredita ou se ilude na avaliação de Steve Bannon, guru de ambos, que diz que, em vez de enfraquecê-los, as acusações vão fortalecê-los. Parece delírio.
Mas vale conferir.