Estou em todo momento diante de fatos, lugares e personagens os mais diversos. Ainda assim, encontro tempo para conhecer o máximo que posso sobre os grandes fotógrafos, especialmente os que retratam a história. Faz parte desse incessante processo mergulhar em temas, biografias e portfólios. Trouxe de uma viagem que fiz ao México, um livro – “Jefes, Caudillos y Heróes” – que me faz escrever sobre seu autor, o Augustin Casasola.
Um grande exemplo da história do fotojornalismo está no mexicano Augustín Víctor Casasola, nascido em 1874. Órfão de pai, ainda menino empregou-se em uma gráfica como auxiliar de montagem de textos para impressão. Depois, virou redator de jornais e, por fim, fotógrafo. Ao falecer, aos 64 anos, deixou para os arquivos de seu país um impressionante documentário visual da revolução popular liderada por Pancho Villa e Emiliano Zapata, no início do século passado. Para a imprensa, legou um modelo exemplar de abordagem e conduta diante dos fatos.
O tempo de Casasola
Vivemos o ano de 1910, estamos no México e há evidências muito vivas de um inevitável levante contra a ditadura do então presidente Porfírio Díaz, três décadas no poder. Augustín Casasola é fotógrafo, trabalha na capital, viaja pelo interior e observa a movimentação de tropas, comícios, pilhagens, incêndios, prisões, mortes. A fotografia é uma novidade e traz a fama de possuir estética própria, ser idônea e fiel. Casasola tem diante de sua câmara algo precioso. Artigo precioso chamado notícia.
No início do século XX, os jornais ganhavam novos processos de impressão. Agora ilustravam suas páginas com fotografias, ao invés de litogravuras. Publicar fotografias lhes dava prestígio e demonstração de modernidade. Como podia a imprensa dispor de algo tão fascinante para os leitores, ter à mão aquele jovem instrumento a serviço do jornalismo e não utilizá-lo?
Ainda mais quando este mirava de perto a revolução que estava ali diante de todos gerando combustível para a História. Aliás, esta foi a primeira revolução registrada pela clareza da fotografia.
A realidade das ruas fez mudar ainda mais a postura de alguns jornais. Em geral, eles tinham estreitos laços de interesse com o poder estabelecido. Logo, eram praticamente peças componentes de um sistema comandado pelos governos vigentes. Providos de verbas muy amigas, publicavam a versão preferida de quem os sustentava. Modelo bem parecido ao dos dias atuais.
O essencial livro de Fotografia
Imagens magníficas da Revolução Mexicana estão publicadas em “Chefes, Heróis e Caudilhos”, o livro de Augustín Casasola. Uma delas mostra o desfile militar durante a Festa da Pátria, em 1910. Um soldado solitário leal ao governo de Porfírio Díaz tenta controlar com o sabre a multidão de homens protegidos por sombreros, os tradicionais chapéus do México. Era a antevisão dos dias que se seguiriam, com a massa popular sobrepujando as forças do ditador.
O livro de Augustín – quesito da Coleção Río de Luz, editado pelo Fundo de Cultura Econômica do México, com prefácio da pesquisadora Flora Lara Klhar – é uma peça imperdível para aqueles que apreciam a boa fotografia e sua importância na História. É um relato emocionante das turbulentas e sangrentas ascensões e quedas na disputa pelo poder.
Esse conjunto de fotos é realmente uma bela narração visual colhida do calor da Revolução Mexicana. Uma das imagens testemunha a presença das mulheres naquela batalha por melhores condições de vida. Ao lado de guerrilheiros armados e sobre o vagão de um trem militar, é a demonstração tocante da participação feminina nas questões sociais. Não menos interessante é o desfile de personagens e sua postura diante da câmara. Mas significante mesmo é a postura do fotógrafo diante dos flagrantes de muita intensidade, cruéis.
Casasola fotografou o chocante e triste fim de três sentenciados pela milícia anti-revolucionária, governista. De costas para o paredão Arcádio, Hilário e Marcelino enfrentam o último lance de suas vidas: o pelotão de fuzilamento. Impressiona a quantidade de informações que essa foto contém! Dois dos condenados voltam o derradeiro olhar para as armas de sua morte. O do meio usa uma venda branca nos olhos. À direita, um oficial levanta a espada. Ao baixá-la, viria a ordem para o fogo dos seis soldados. Ao fundo, um padre com o gesto de misericórdia, aquele que encomenda almas ao céu.
A dureza de uma guerra
A barbárie da guerra modificou os velhos hábitos de registrar com imagens. A pose, antes utilizada para desmanchar a essência dos acontecimentos, naquele momento ganhava novo sentido. Chegava a vez de curtir o instantâneo, a ocasião de valorizar o flagrante, a hora de enaltecer o movimento. A fotografia pisava o acelerador. Acompanhava a velocidade das fábricas de automóveis dos vizinhos Estados Unidos, na era em que as carroças puxadas a cavalo eram trocadas pela modernidade dos carros movidos a petróleo.
Mas uma imagem de especial importância, também publicada em “Chefes, Heróis e Caudilhos”, foi, porém, colhida de uma pose. Vitoriosos em sua luta, os generais Emiliano Zapata e Pancho Villa – este sentado na cadeira presidencial – comemoram a tomada do poder com líderes aliados, camponeses e índios. Na cópia fotográfica, estão algumas palavras marcadas com prego sobre a emulsão do negativo. São a identificação do fato e a assinatura de Augustín. Era como se o autor quisesse autenticar de maneira definitiva sua presença naquela cena histórica.
A vasta coleção de imagens colhida por Augustín está hoje muito bem cuidada e guardada na Fototeca Nacional do México. São relíquias que compõem o Arquivo Casasola, administrado por seu filho e seus netos. São, enfim, documentos da vida social e política de cem anos atrás, período em que o jornalismo fotográfico passou a ver os temas do cotidiano, as catástrofes, a miséria, o desenvolvimento com maior atenção, mas sem abdicar de sua vocação de informar com neutralidade e, sobretudo, objetividade.
Augustin Victor morreu em 1938, aos 64 anos. Na verdade, há discordância sobre a data precisa de sua morte. Certo é que Casasola tinha os olhos cheios de notícia e o coração repleto de isenção. Seu trabalho demonstra que a fotografia é um espetacular instrumento da Comunicação.
Orlando Brito