A diplomação de Lula coloca um ponto final no processo eleitoral mais conturbado do Brasil democrático, mas não na esbórnia, no ódio e na violência bolsonarista. O menino do agreste, da cidade de Caetés, na região mais pobre do Pernambuco, Luís Inácio Lula da Silva, terá um trabalho imenso de reconstrução do Estado, da Nação e da Republica.
Chamado de forma depreciativa de “pau de arara” por seu predecessor, se deus quiser futuro hóspede da Papuda, o retirante é portanto oficialmente o 39° presidente eleito e diplomado, primeiro mandatário reconduzido três vez, com a maior votação da história do país, e primeiro a derrotar um candidato à reeleição.
Uma vez mais, Lula vai ter de olhar para o passado e rever a sua infância como fonte de inspiração, pois o Brasil que herda está muito, muitíssimo pior que o Brasil que deixou. Em 2009, ao final de seu segundo mandato, de acordo com dados do IBGE, cerca de 11 milhões de brasileiros passavam fome e 34% viviam em situação de insegurança alimentar. Hoje, segundo o mesmo Instituto, 33 milhões passam fome e 60% dos brasileiros se encontram em insegurança alimentar. Prova, como se necessário fosse, que, ao contrário do que disse, Messias fez milagres sim, transformando o país num campo de ruínas. O Brasil é um cenário de desolação.
Infelizmente, mesmo apelando para Harry Potter e os magos de Poudlard, Lula não poderá recuperar todo o estrago feito, pois assumirá a herança mais maldita já transmitida, sem falar nos 400 mil mortos pela falta de saúde pública ou pelo apetite de morte de Bolsonaro, aquele que riu dos brasileiros que perderam a vida por falta de oxigênio e excesso de cloroquina e ivermectina.
O trabalho será hercúleo. Em todos os setores: saúde, educação, transportes, moradia, alimentação, Justiça bem como no combate ao racismo, ao antissemitismo, à misoginia, à homofobia, às discriminações mais diversas saídas das bocas nauseabundas do bolsonarismo.
Tudo está a reconstruir, dos direitos humanos e respeito ao Estado democrático de Direito à nossa bela língua portuguesa, jogada na sarjeta, melhor dizendo no mais fétido esgoto.
Dentre os setores que mais sofreram está um que Lula conhece como ninguém: o mundo do trabalho, que o consagrou como sindicalista, e que deverá receber a atenção urgente do presidente.
No trabalho incessante de demolição, o inquilino do Planalto por mais uns dias detonou o arcabouço de proteção dos trabalhadores, prosseguindo a obra iniciada por Michel Temer.
Após ter analisado a situação em 148 países, um estudo da Confederação Sindical Internacional mostrou que o Brasil está entre os dez países onde os direitos trabalhistas foram mais violados em 2020/2021. Com a adoção da Lei 13.467/2017, que introduziu a Reforma trabalhista neoliberal, “todo o sistema de negociação coletiva entrou em colapso no Brasil, com uma redução drástica de 45% no número de acordos coletivos celebrados”.
A Reforma enfraqueceu os sindicatos, que com o fim da contribuição obrigatória perderam força nas negociações. E assim ruíram os alicerces do edifício jurídico que sustentavam o mercado de trabalho.
Outro ponto indicado pela pesquisa da Confederação Sindical Internacional foi as dificuldades que os trabalhadores tiveram que enfrentar, especialmente os do setor da saúde e da indústria de carnes, por conta da má gestão da pandemia de Covid-19, com a deterioração das condições de trabalho, saúde, segurança e higiene. O governo reduziu drasticamente a fiscalização, como fez com todo o resto da economia, provocando uma maior violação das normas trabalhistas e, consequentemente, maior número de acidentes do trabalho.
De acordo com os dados da OIT, o Brasil ocupa a 4° posição no ranking mundial de acidentes do trabalho com mortalidade, atrás apenas da China, Índia e Indonésia.
Nos últimos oito anos foram registrados no Brasil 5,6 milhões de doenças e acidentes de trabalho, que geraram um gasto previdenciário superior a R$ 100 bilhões.
O coquetel de Paulo Guedes foi radical, só podia dar no que deu: flexibilização das normas de proteção dos trabalhadores, ausência de fiscalização, enfraquecimento dos sindicatos, provocaram desrespeito da legislação trabalhista, mais acidentes de trabalho, aumento do número de informais, desemprego, pobreza e fome.
E claro, mais trabalho para o presidente Lula.
Dá-lhe herança maldita!