Lula estava tenso e nervoso diante de Willian Bonner e Renata Vasconcelos irreconhecíveis em relação à sabatina de Bolsonaro. Surpreendentemente os jornalistas foram mais que cordiais, admirados e um tanto subservientes durante boa parte da entrevista-comício.
Lula, inegavelmente registrou pontos positivos com sua conhecida retórica: em relação à Lava Jato e ao seu projeto de combate à corrupção – a rede institucional por ele criada, sem a qual jamais teria sido processado e julgado; também vendeu bem o peixe das políticas integrativas, embora tomando por distribuição de renda o que foi mais uma ampliação seletiva do crédito. Defendeu com esmero o governo e a pessoa de Dilma Rousseff, o que ao menos demonstra lealdade para quem sua escolha recaiu, sob unilateral decisão autoritária (e sobre uma ilustre desconhecida).
Nada se falou sobre a onda de crescimento mundial na qual o ex-presidente surfou e a condescendência com os trilhões de ganhos dos bancos favorecidos e acelerados desde o acordo de 2002 (transformismo). Também a batata quente da crise de 2008, colocada nas mãos de Dilma em 2010, que em grande medida motivou a conspiração e o impeachment, passou despercebidamente pelo trio naquela noite de 25 de agosto de 2022.
Mas Lula errou na questão China e da sua democracia, “único país onde não há polarização”, esquecendo-se, curiosamente, da tese da autodeterminação dos povos, por ele defendida diante de equivocada defesas de Cuba, Venezuela, e do próprio foro de SP.
Lula falaciou ao classificar corrupção maior e menor (Mensalão – perdoável?) em relação às falcatruas eleitoreiras de Bolsonaro.
Quanto ao apoio à ditaduras, já mencionadas acima, a autodeterminação dos povos…., Lula perdeu uma oportunidade de marcar um golaço. Preferiu jogar para a turma dos que já se decidiram por ele. O candidato foi vago, evitando ser mal entendido por eleitores não simpatizantes com a causa socialista na América Latina (e com suas lideranças populistas).
Também Lula tergiversou no quesito da crença num equilíbrio entre agricultura interna(?) e do agronegócio, externo (?). A confusão talvez tenha sido intencional, embora Lula, ao criticar grandes empresários da área, nada contribuiu para galgar apoio num bloco hoje apoiador de Bolsonaro.
E o que dizer do cacoete um tanto piegas e recorrente do autoelogio durante toda a entrevista, colocando-se como “o maior presidente da história do Brasil”. Vargas tremeu no túmulo. Lula nos poupou do célebre discurso sobre a sua reconhecida honestidade. Ponto positivo. Perderia votos. A propósito, Bonner iniciou a entrevista afirmando que Lula nada mais devia à Justiça brasileira.
No horário das 21h, visto por quem ganha bem acima de 5 (cinco) salários mínimos, Lula pretendia falar para a classe média. Mas errou o alvo. Deveria dirigir-se aos setores médios mais empobrecidos e insistir na crise e nas dificuldades cotidianas (alta dos alimentos, desemprego, etc.). Não ganhou novos adeptos. No geral, reforçou as ideias já preconcebidas, reais ou não.
Em questão para os dois candidatos mais fortes, a ultrapassagem do teto de votos, já no limite. Bolsonaro virou Lassie e Lula pareceu-me um pitt bull sedentário em busca de carinho. Gastou muito tempo na vitimização com justificativas às injustiças sofridas em cinco anos de perseguição, mais do que na conquista de novos eleitores.
É a minha impressão pessoal, portanto, parcial. Não trabalho ou parto do pressuposto de “certezas” inquestionáveis. Nem sucumbo aos antolhos do “nós contra eles”. Somos todos parte desse “belo quadro social”, com Raul Seixas.
Certos artistas da Globo e intelectuais romanticamente, ainda apaixonados, amam defender, sem grande conhecimento ou atualização do que impacta o mundo após a queda do muro de Berlim, a luta “democrática” popular, o socialismo em seu rumo revolucionário, perfilando o lado bom da história, contra um pressuposto “fascismo” no qual se isentam de qualquer responsabilidade. Estes gozam com o orgasmo ressentido de Lula. Não estou certo de que esse regozijo da torcida lulopetista reflita-se favoravelmente junto ao eleitorado dos ainda indecisos.
As campanhas eleitorais foram recém iniciadas. Além do próximo presidente, serão eleitos governadores, deputados estaduais e federais, senadores. Todo um processo de composições encontra-se em curso. Entrevistas e debates vão acontecer até outubro, podendo influenciar nas escolhas, senão lúcidas, ao menos menos birutas.
O ambiente adverso e embaçado é de todos em tempos críticos de regressão social. O ornitorrinco agora têm chifres e tetas. A terceira via parece cada vez mais gelatinosa, ou mesmo quimera. A escolha de 2022 nos remete à uma situação na qual derrotar a peste decorre mais de uma aposta moral às cegas que à convencimentos racionais claramente identificados com um avanço nas mentalidades e de práticas sociais libertário-emancipatórias.