Por algumas horas acabou a tranquilidade e o lazer da Barra da Tijuca, uma das regiões mais bonitas e agradáveis do Rio. Os prédios são de bela arquitetura e com a infraestrutura permitida pelo alto nível de renda dos moradores. Varandas, piscinas, alas de esportes. Ônibus refrigerados gratuitos para quem trabalha no Centro, ou para fazer compras nos hipermercados.
Por isso Adolfo, nascido e sobrevivido no Piauí, veio morar naquela região. Conseguiu comprar um apartamento pequeno, porque todos são grandes. Era estudioso e passava os fins de semana passeando na orla. Pegava praia e trânsito tranquilo. Domingo passado, contudo, mal subiu a rampa para a calçada levou um bruto susto.
Deu de cara com centenas de homenzarrões marchando em fila indiana, com uniforme militar, botas, chapéu. Alguns carregavam armas, liberadas pelo presidente daqui. Hoje não é Sete de Setembro nem o desfile é aqui, lembrou Adolfo. Não precisou indagar a ninguém. Logo ouviu berros: abaixo o STF; fecha o Congresso; volta do AI 5; beba hidroxiloroquina; todos na praia e nas festas; lock down é bobagem. Um de quase 2 metros, pinta de alemão, gritou “Heil Bolso”, e todos responderam: “Sieg heil, Sieg heil.” Eram fantasmas da Alemanha nazista em missão especial.
A efeméride comemorada aos gritos era o aniversário do presidente Bolsonaro, o neofacista, e a soldadesca em desfile vigoroso, botas brilhantes, eram fantasmas ativos da Wermacht. Foi uma surpresa para o paizão 00 e os filhotes 01,02 e 03. Não chegou a haver ataque dos fantasmas, mas os habitantes da Barra ficaram assustados. Um octogenário ficou atrás de um coqueiro com o neto: “Parece a tropa de ódio do Hitler.”
A exibição deixou o Heil Bolsonaro surpreso e entusiasmado. No gramado do Palácio da Alvorada, outras homenagens ao aniversariante. Tanto que ele se emocionou, falou em “meu povo” e foi além. “Só Deus me tira daqui” – afirmou. Algo presunçoso, porque o bom Deus jamais se meteu em política ou em derrubada de presidentes, ditadores, tiranos de todo tipo. Para Ele essa é uma responsabilidade que compete aos humanos.
Novos ventos começaram a soprar mais forte, contrastando com a calma da Barra da Tijuca. A ventania também chegou a assustar no gramado do Palácio da Alvorada, com outra comemoração, onde parte do bolo de aniversário foi engolido pelas emas. Poucos brasileiros estão se apercebendo de um movimento subterrâneo, de ultra-direita, já com algum suporte e de inspiração hitlerista.
Ninguém ousa falar no chefe nazista, tem que ser disfarçado, mas os propósitos dos grupos são semelhantes. Acabar com a democracia, acabar com a liberdade, e liquidar os opositores. Um nazismo tropical, estimulado pelo insano presidente que pretende começar pelo Estado de Sítio.
Adolfo sentado na praia passou a meditar e notou semelhanças entre o Brasil que se acaba na pandemia e a Alemanha destruída pelo fascismo. Caminhou até o mar e mergulhou na água fria, decidido: Adolfo pode ser, mas Hitler jamais.
— José Fonseca Filho é jornalista