Não é a primeira vez que me refiro a esse tema. Certa vez um amigo importante, imortal da Academia Brasileira de Letras, disse-me: um fotógrafo que faz a cobertura dos lances do poder deve ter um olhar humanista. Isso. Mais amplo, que enxergue além da importância dos senhores de paletó gravata da chamada seara da política.
Evidentemente, sempre levei em conta a observação do meu amigo veterano. Dia desses, após fotografar uma pomposa cerimônia do Palácio do Planalto e uma série de reuniões no Congresso, deparei-me com essa tocante cena. Bem diferente das que presencio diariamente reparando nos figurões da República, longe das salas com ar refrigerado e de salões encarpetados.
José tem 65 anos, é cadeirante desde os 7, quando contraiu poliomielite. Nascido em família humilde no interior da Bahia, quando atingiu a maioridade resolveu tentar a vida numa cidade grande, mais aparelhada para amenizar seu problema de locomoção. Mudou-se para a capital do País, foi morar no Recanto das Emas, longe do centro de Brasília. Casou-se com Vânia. Tem duas filhas e dois netos.
Tentou várias vezes emprego fixo. Não conseguiu. Para manter a família, encontrou como fonte de renda vender panos-de-chão e guloseimas nos sinais de trânsito da Rodoviária do Plano Piloto. Há vinte anos é sua fonte de renda. Quando os motoristas passantes contribuem com seu traballho, soma ao fim do dia em torno de 20 ou 25 reais de lucro.
Um detalhe, porém, chamou-me ainda mais a atenção para a dura vida do pobre José: para manter limpa sua área de trabalho, começa o dia varrendo com uma vassoura que ganhou de um amigo o asfalto por onde move sua cadeira de rodas entre os automóveis. Ou seja, o chão da rua.
— Minhas limitações físicas não me impedem de contribuir com a higiene da cidade em que moro e de onde tiro meu sustento. Nem de dar o exemplo de ser cidadão.