Em uma apresentação de João Gilberto, reconhecido mundialmente pela criação da batida da bossa nova, em 2003, numa casa de shows em São Paulo, um convidado perguntou: – “João, existe a perfeição?” – “Não, mas a imperfeição me incomoda muito”. Ele queria aperfeiçoar a perfeição”, afirmou seu biógrafo Ruy Castro.
A carreira de João Gilberto foi construída de perfeccionismo intransigente e de excentricidades (rejeitava violões onde só ele identificava defeitos no som). Viveu recluso as últimas décadas até o falecimento em 2019. Sobre ele corriam histórias inusitadas como a prática de jogar cartas, por debaixo da porta fechada do apartamento, com o porteiro que ficava no corredor.
Algumas pessoas geniais naquilo que fazem têm essa mania de perfeição e algumas excentricidades. Steve Jobs foi um deles. Aprendera com seu pai, que fazia móveis, a cuidar do acabamento até das partes escondidas que não seriam vistas. Gostava de citar Leonardo da Vinci, para quem a simplicidade era a máxima sofisticação. Essa concepção ele compartilhou com o designer chefe da Apple, Jony Ive, outro perfeccionista genial e que buscava o simples. Ive dizia: “O fato é que é muito fácil ser diferente, mas muito difícil ser melhor.” Para contratar designers para o grupo, conhecimentos de engenharia e informática eram um trunfo, mas não eram indispensáveis. “Nós procuramos personalidade, talento arrebatador e capacidade de trabalhar em pequenos grupos. Também queremos um designer que nos impressione a ponto de nos intimidar.”
A preocupação com a contratação de pessoal era permanente: “não faz sentido contratar pessoas inteligentes para depois dizer a elas o que fazer. Nós contratamos pessoas inteligentes para que elas nos digam o que fazer.”
Para Jobs, o design era mais que a aparência. “A maioria das pessoas comete o erro de pensar que design é o que se vê. As pessoas acham que é a aparência – que os designers recebem uma caixa e a ordem: “Faça isso ficar bonito!”. Mas não é isso o design. Não é só a aparência e a sensação. O design é como funciona.”
A parceria de Jobs com Ive gerou vários ícones do design. O iPod foi um deles e que lançou várias características que seriam utilizadas em produtos posteriores. Bono, do U2, definiu seu charme de forma límpida quando disse que o iPod “é sexy”. Seus produtos ficavam no cruzamento da tecnologia com a arte e são efeitos de uma mania obsessiva de perfeição criando coisas insanamente grandiosas que deixassem uma marca no universo – nas próprias modestas palavras de Jobs.
Jobs também tinha suas excentricidades. Tirando uma imagem da série Guerra nas Estrelas, funcionários da Apple diziam que ele tinha um campo de distorção da realidade, capaz de convencer as pessoas a fazer coisas aparentemente impossíveis, que o fazia tão esquisitamente carismático que as pessoas quase precisavam ser desprogramadas depois de falar com ele. Sobre isso, ele mesmo se justificava com Alice no País dos Espelhos de Lewis Carrol: “Quando Alice diz que por mais que tente não consegue acreditar em coisas impossíveis, a Rainha Branca retruca: Nossa! Pois eu às vezes acredito em seis coisas impossíveis antes do café da manhã.”
Personalidade mercurial, com mudanças de humor que espalhavam medo nos seus funcionários, era capaz de demitir alguém dentro do elevador ou achar idiota uma ideia apresentada por alguém em um dia e, uma semana depois, aparecer com a mesma ideia como se fosse sua.
A mania de perfeição era tão forte em Jobs que ele passou meses em uma nova casa sem conseguir comprar móveis e eletrodomésticos procurando algo sempre melhor.
Nem todo gênio é excêntrico, mas parece recorrente a ideia de que a excentricidade acompanha muitas vezes a genialidade.