Jair Bolsonaro, por ócio improdutivo ou obsessão mórbida, tem como receita sádica atormentar a rotina dos brasileiros e cultuar a morte. Antidemocrático, eleito com apenas 39,3% do total de eleitores, Bolsonaro se esfalfa para torturar a maioria dos brasileiros, gerar pânico e criar incertezas. Seus alvos recorrentes são: democracia, instituições, negros, gays, ONGs, estudantes, mulheres, jornalistas, nordestinos, a esquerda, governadores, a ciência, direitos individuais, a saúde e a vida. Só faz mesuras a torturadores e acoberta os filhos encrencados. A meta é nos empestear com retrocessos civilizatórios e destruir o Estado de direito. Homeopaticamente vai trocando a retórica do cercadinho por tentativas concretas de implosão do País e o cerco à democracia. Só recua quando fica acossado, como nas predicações golpistas do meio do ano.
Os espirros fascistas pelo mundo têm vetores comuns. O capitão já manipulou alguns ingredientes: deslegitimar as instituições, encorajar o enfrentamento, polarizar com a esquerda, solapar direitos, terceirizar fracassos, atacar a liberdade de expressão e jornalistas, impulsionar milícias e, sobretudo, mentir. A desarticulação da União em ações a favor do bem-estar coletivo, associada a desconexão com a verdade através da propaganda, completa a bula totalitária. Os disparates sobre a vacina chinesa e o desmonte do SUS expõem as vísceras do receituário macabro. O decreto privatizando as unidades básicas de saúde era natimorto. Seria neutralizado no Congresso, por abusivo, ou no STF por inconstitucional. A derrota iminente forçou o recuo. O novo revés virá na vacina.
Enquanto o mundo detalha a logística – armazenagem, distribuição, aquisição, produção – para o maior programa de vacinação da história da humanidade, o Brasil rasteja na irresponsabilidade febril do capitão. Ele desperdiçou 8 meses sabotando o isolamento, convocando aglomerações, minimizando a Covid 19, escarnecendo da vida, e prescrevendo ilegalmente remédios inúteis. Agora o hospedeiro da incúria se insurge contra a vacina chinesa em razão da procedência. A xenofobia e o preconceito deveriam afastá-lo das armas. A pólvora foi inventada na China e um insumo da vacina do Reino Unido é igualmente chinês.
O funesto histórico de desdém comprova que o capitão zombou da vida dos brasileiros e se transformou em um mascate da morte, empilhando cadáveres em uma necrópole infame e repulsiva. Eis a sequência fúnebre: em março, com a primeira morte, disse que era “histeria”. Em pronunciamento ao País, em 14 do mesmo mês, classificou a pandemia de “gripezinha”, “resfriadinho”. Após ultrapassarmos a marca de mortes na China, desprezou vidas com “e daí?” (5 mil mortes). Dias antes excrementara: “Brasileiro tem que ser estudado. O cara não pega nada. Eu vi um cara ali pulando no esgoto, sai, mergulha… E não acontece nada com ele”.
Em 12 de abril, recendendo a fedentina dos bueiros, foi igualmente negacionista e, novamente, equivocado: “Parece que está começando a ir embora essa questão do vírus”. Outras torpezas vieram. “Eu não sou coveiro” (10 mil mortes). “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma tubaína (18 mil mortes). Também estimulou a invasão de hospitais para filmar fictícios leitos vazios (40 mil mortes). Diante das vacinas, completou o ataque viral da ignorância: “Eu não sei porque correr agora”. No mesmo dia palpitou, de novo errado, que o desenvolvimento de medicamentos é mais barato que vacinas. Talvez seja o único presidente no mundo incapacitado para entender o óbvio. Aqui já são quase 160 mil mortes e mais de 5,5 milhões de infectados. O descaso genocida não será esquecido.
O debate sobre a vacinação compulsória chegou ao STF, onde o retrospecto de derrotas da atual gestão é vexatório. As maiores foram no reconhecimento da autonomia a Estados e Municípios nas ações contra a pandemia, na manutenção das regras da lei de acesso à informação, na derrubada das bisbilhotices e dossiês do Ministério da Justiça e da Abin, na proibição de campanhas publicitárias fascistas , nos inquéritos sobre fake news e golpe, além do veto à posse de Alexandre Ramagem no comando da PF. São terapias que o STF vem aplicando contra moléstias autoritárias.
Em suas lives mambembes e delírios jocosos, o capitão desafiou várias vezes o Judiciário: “Duvido que a Justiça vá obrigar alguém a tomar a vacina”. Repetiu: “não será obrigatória e ponto final”. “Não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar a vacina”. A bravata lembra o “acabou, porra”, do período em que apoiadores queriam lacrar o STF. Em fevereiro várias normas de combate à pandemia foram sancionadas. Uma delas, a Lei 13.979, estabelece que as “autoridades (governadores e prefeitos têm autonomia) poderão adotar, no âmbito de suas competências… realização compulsória de vacinas e outras medidas profiláticas”. A politização da vacina é inútil e irracional. Só irá retardar o calendário de imunização assim que ela estiver aprovada.
O negacionismo agrega um componente político. O governador de São Paulo, potencial candidato à presidência, firmou acordos entre a China e o Instituto Butantan. O laboratório chinês é o mesmo que, em um ano, produziu a vacina contra a gripe suína. Sendo eficaz, Dória conquistará espaço ao comandar o maior programa de imunização no Brasil. Depois de fechar a compra de 40 milhões de doses para o SUS, o ministro da Saúde, general de 3 estrelas, foi humilhado por Bolsonaro e a compra desautorizada. As primeiras doses desembarcam em SP nos próximos dias. Até o aliado do capitão na disputa pela prefeitura, Celso Russomano, derretendo nas pesquisas, se descolou e defendeu a ciência.
Em setembro o STF deu uma sinalização ao adotar a repercussão geral na vacinação de crianças. O mérito ainda será julgado e se refere a demandas de pais que não querem ser obrigados a levar o filho para vacinar. A maioria dos ministros, embora disponham de tempo para decidir até a validação da primeira vacina, tende a entender que, em pandemias, o direito coletivo de proteção à saúde ultrapassa as liberdades individuais.
Deve prevalecer a discussão sobre saúde pública em detrimento de escolhas pessoais. Sem uma maciça adesão à vacinação, os riscos das contaminações e mortes se prolongam.
Os critérios que devem reger a discussão são os níveis de eficácia e a segurança. O Brasil tem o maior programa de imunização gratuito e é referência mundial. As pesquisas apontam que 89% dos brasileiros estão dispostos a tomar a vacina. É previsível ela seja precondição para rotinas como viagens, trabalho, clubes, escolas, restaurantes, estádios, como é a máscara hoje, obrigatória. Em 1904, Oswaldo Cruz enfrentou a revolta da vacina no Rio de Janeiro no combate à varíola. Ela só foi erradicada após a vacina. O mesmo ocorreu com a pólio e o sarampo. O número de casos recrudesce quando se afrouxa a vacinação.
O capitão é um mandatário mal-intencionado que, entre muitas demências, torce insanamente pela pandemia. Nada ilustra mais o desprezo do que a foto defendendo vacinação obrigatória apenas para cães. Seu adestramento revela descompromisso com a democracia, com o bem-estar coletivo, com as liberdades individuais, com a ética e com a vida dos brasileiros. As imunizações que ele persegue são: a penal, para os filhos, e a do impeachment, para si e não ter que explicar os R$ 89 mil do miliciano Fabrício Queiroz para Michele Bolsonaro. Por estas vacinas ele não mede esforços. Em nome desses imunizantes faz estragos estuprando as instituições, leiloando o governo, mentindo, patrocinando conchavos espúrios e aterrorizando diariamente a tranquilidade da Nação.
“O direito de viver em paz” era cantado pelo compositor, músico e diretor chileno Victor Jara, vítima do sadismo, da tortura e dos assassinatos do terror implantado por Augusto Pinochet a partir do golpe 1973.O ditador sanguinário, assim como outros facínoras, é ídolo de Bolsonaro. Pinochet só começou a ser enterrado 47 anos depois do golpe, quando o plebiscito chileno aprovou uma nova Constituição. Se o Brasil não reagir ao “cocô dia sim, dia não”, em breve estará soterrado nos escombros da barbárie, carcomido pelos vermes do passado e pela idiotia oficial.