Pau que dá em Chico dá em Francisco

Senador Chico Rodrigues - Foto Orlando Brito

As impurezas de algumas fontes do Ministério Público e do Judiciário, dissecadas pelo site “The Intercept”, a partir de junho de 2019, expuseram as primeiras oxidações nas tubulações da lava jato. Conspirações ferruginosas, vazamentos ilegais, blindagens poluentes para a democracia, togas contaminadas por bafejos políticos, esguichos contra o Estado de direito e outras partículas maculadas – típicas de bueiros – redundaram no entupimento institucional da operação. Isso apesar da higienização de alguns encanamentos apodrecidos.

É simplismo atribuir o afogamento da lava jato ao chafariz diversionista de Jair Bolsonaro. “Eu acabei com a lava jato porque não tem mais corrupção no governo”. A competência está além do sifão bolsonarista. A bravata ilumina apenas os rejuntes do centrão na pia central do governo. Há várias investigações que envolvem, direta ou indiretamente, alguns dutos governistas. O sumidouro de dinheiro público do filho na Alerj, os depósitos jorrados por Queiroz para primeira dama, o laranjal irrigado do PSL, o financiamento de campanhas golpistas e fake news além dos jatos de moeda corrente no acúmulo patrimonial do clã. Bolsonaro apenas fechou a torneira retórica anticorrupção, borrifada na eleição. Mas pau que dá em Chico dá em Francisco.

Jair Bolsonaro com senador Chico Rodrigues durante lançamento do Programa Casa Verde Amarela no Palácio do Planalto no dia 25 de agosto de 2020 – Foto Orlando Brito

Na insalubre história da latrina nacional, a busca e apreensão contra o vice-líder do governo, Senador Francisco Rodrigues é um escárnio particularmente infecto. O escatológico baculejo da PF encontrou dinheiro nas nádegas do parlamentar da nova política de Bolsonaro. Em um governo de obcecados por “hemorroidas”, “ânus”, “pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”, “reto” e “rachadinhas”, encontrar dinheiro – sujo – no rachadão do vice-líder é vexatório. Serve a jocosidades e revela que os vícios do ofício se multiplicam em novos e velhos orifícios. Corrupção não se extingue por decreto ou bravata. Bolsonaro ficou com cara-de-bunda após as aplicações na poupança de seu aliado. Sabe-se agora, ao contrário do senso comum, ser é uma opção de altíssimo risco.

Ministros Edson Fachin e Teori Zavascki – Foto Orlando Brito

A lava jato tem seus aspersores no STF: Edson Fachin, Luiz Fux e Luis Roberto Barroso, gotejados nas conversas e encontros de Deltan Dallagnol. Barroso determinou o afastamento por 90 dias do líder de Bolsonaro, o mais novo inimigo da lava jato. A punição a Chico depende da anuência do Senado. O argumento é a tentativa de obstrução. Em novembro de 2015, Teori Zavascki foi mais rigoroso. Pela mesma razão, determinou a prisão de Delcídio do Amaral, ex-líder do PT. A decisão foi referendada pelo Plenário por 59 votos a 13. Prevaleceu a lógica do flagrante continuado e Delcídio perdeu o mandato. Se a correnteza arrastar Chico Rodrigues não poupará Francisco, o senador Flávio Bolsonaro. A única diferença é onde estava aplicado o dinheiro.

O capitão foi maior beneficiário dos desmandos da operação. Agora, instalado no poder, ele a descartou pelo sanitário, como na descarga impiedosa de Sérgio Moro. A lava jato não está comprometida apenas pela declaração de Bolsonaro. Ela vem fazendo água há tempos e a desidratação, gota a gota, é resultado dos excessos e do aumento da pressão de múltiplas mangueiras e braçadeiras. A primeira ducha de água fria no lavajatismo foi a MP da reforma administrativa, que tirou o COAF da estação de tratamento de Sérgio Moro, transferindo-o para a economia. O Congresso também aprovou a lei de abuso de autoridade e, depois, derrubou 18 vetos presidenciais.

Procurador Deltan Dallagnol – Foto Orlando Brito

Ainda no Senado as tentativas da lava jato de constranger o STF, com 3 CPIs da Toga e uma PEC para enquadrar o Supremo melaram nas mãos dos encanadores inábeis do “Muda Senado”. Dois nomes indicados para compor o Conselho Nacional do Ministério Público foram rejeitados pelas excessivas conexões com Deltan Dallagnol. A rejeição afrouxou as válvulas que blindavam Dallagnol no Conselho. No pacote que Sérgio Moro batizou de anticrime os deputados atiraram no esgoto as principais teses: Plea Bargain, prisão após condenação em 2 instância e o excludente de ilicitude, a licença para matar.

No Executivo a lava jato empoçou cedo. A escolha de Augusto Aras para Procurador-Geral, fora da lista tríplice e estranho à operação, foi o mais explícito registro das desconfianças presidenciais quanto ao lavajatismo. As rachaduras expostas na investigação em torno do Senador Flávio Bolsonaro forjaram as junções entre e o capitão e os garantistas do STF em detrimento de Sérgio Moro e lava jato. Lá o 01 ganhou uma liminar importante e as bisbilhotices da Receita Federal foram vedadas. O chefe da Receita foi esguichado e o motivo alegado – defesa da CPMF – não colou.

O ex-ministro Sérgio Moro – Foto Orlando Brito

As maiores derrotas de Sergio Moro e os procuradores foram no STF. O revés mais emblemático foi a reversão do duto de R$ 2,5 bi do acordo financeiro que transferia para a lava jato a administração dos recursos repatriados dos EUA após as investigações da Petrobras. Outro ralo amargo foi a reforma da sentença de Aldemir Bendine, ex-presidente da estatal. A decisão beneficiou outras 143 pessoas que, delatadas, não falaram por último. Ícone da lava jato, a senadora apelidada de “Moro de Saias”, Selma Arruda, foi cassada pela Justiça Eleitoral por abuso do poder econômico e caixa 2. Engasgou com a mesma água insalubre que prometeu purificar.

Outro contratempo para a lava jato ocorreu em torno da possibilidade da prisão após a condenação em segunda instância, cujo debate foi desviado para a figura do ex-presidente Lula. O STF reavaliou a interpretação anterior e, por 6×5 votos, firmou que a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado do processo. O tema não sai da pauta e foi reavivado agora em razão da liberdade concedida a um traficante. O projeto da Câmara prevê prisão para todos os crimes, inclusive tributário e previdenciário. Com a ampliação da cisterna punitiva é improvável que avance.

Bolsonaro e Lula largam mal no apoio a seus candidatos

Ainda no STF os insucessos encharcaram a Segunda Turma até o atual presidente da Corte mudar o curso das águas e desembocar tudo no Plenário. A delação de Antônio Palocci, cujo sigilo foi levantado por Moro às vésperas da eleição para alargar a vazão política de Bolsonaro, foi excluída da acusação contra Lula. A delação, juridicamente, recende como um vaso entupido. Sérgio Moro foi considerado parcial no julgamento de um doleiro no escândalo do Banestado. Os empates na turma favoreceram os réus. A suspeição de Moro no caso Lula está de molho no tanque da 2 turma desde 2018.

Com tantas fossas expostas a operação lava jato vem perdendo a caudalosidade de outrora e agora goteja agônica. Depois de punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, Deltan Dallagnol abandonou a estação alegando priorizar a saúde da filha. Em São Paulo todos os procuradores identificados com a operação penduraram as ferramentas e no Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, que era o candidato terrivelmente evangélico ao STF, é a última reserva da caixa d’água. O prazo para a força-tarefa de Curitiba foi prorrogado em 6 meses e, em janeiro de 2021, a fonte seca.

A indicação de um juiz de perfil legalista para o STF e o recuo na denúncia contra Arthur Lira são eloquentes golfadas sugerindo que o hidrômetro da lava jato tende a secar. A operação está marcada para a morrer antes de conseguir a infiltração da política pelo judiciário. Alguns podem arriscar carreiras políticas de maneira isolada. Organicamente a lava jato agora só enxuga gelo. Antônio Di Pietro, ídolo da lava jato e famoso pela operação mãos limpas na Itália, sabe bem como começa e como termina: canos enferrujados por todos os lados e a democracia entupida por falsos mitos.

 

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