A franqueza do presidente Itamar e seu desprezo pelos aduladores

Presidente Itamar. Foto Orlando Brito

Itamar Franco desembarca do automóvel presidencial nos jardins do Palácio Planalto às oito da manhã, em ponto. 1992.

Quem conhecia Itamar Franco de outras épocas sabia, e todos os jornalistas que cobríamos a Presidência da República também: o novo presidente, o que entrou no lugar de Fernando Collor assim que este sofreu o impeachment, era inteiramente avesso às formalidades.

Doutor Itamar detestava, por exemplo, aquilo que mais se encontra nos palácios e é originalmente chamado no idioma francês de entourage. Em bom português, os puxa-sacos, o pessoal que gravita em torno de Suas Excelências.

Desde quando foi prefeito de Juiz de Fora – em 1967, e quando desembarcou em Brasília eleito senador por Minas, em 1974 – não gostava da tal entourage. Puxa-sacos então, fora de qualquer cogitação.

Itamar Franco irritava-se toda vez que via-se cercado por assessores. Demonstrava desconforto e dava um jeito de afastar-se da cena. Era tido como dono de personalidade forte, sujeito complexo e complicado. Mas, enfim, era seu jeito. E além do mais, agora era Presidente.

Ao assumir a Presidência, tinha então que abdicar de muitas de suas vontades e tolerar a rigidez do Serviço do Protocolo Cerimonial. Na primeira vez que Doutor Itamar desembarcou no Planalto para dar início à sua nova vida enfrentou contrafeito os padrões de etiqueta do poder. Ao sair do automóvel PR-1, deu de cara com um numeroso pessoal de apoio, como se diz na linguagem palaciana.

Para recebê-lo, havia uma fileira de soldados a prestar-lhe continência; o embaixador-chefe do Cerimonial; o major ajudante-de-ordens; um oficial do Gabinete Militar da Presidência; o ministro da Casa Civil, além de um renque de secretárias e secretários, seguranças, servidores e serviçais. Enfim, vários funcionários, difícil enumerar.

Por conhecer bastante a maneira simples de Itamar Franco e vê-lo agora como destaque como foco do aparato oficial em suas chegadas ao Planalto, eu sabia que aquilo não iria dar certo. E não deu mesmo. Em uma ou duas semanas, o novo presidente passou a ser recebido somente pelo ministro Mauro Durante ou sua secretária particular, Ruth Haargreaves.

Um belo dia, lá pelas quatro da tarde, a senhora Haargreaves foi ao Comitê de Imprensa do Planalto. Chamou-me de um lado e discretamente disse-me que Doutor Itamar queria um minuto de conversa comigo. Fiquei surpreso. Comigo?, surpreendi-me. É  claro, não deixei de atender ao chamado do presidente. Serviu-me um cafezinho e dois pães de queijo. Perguntou-me:

– Como estão as coisas lá fora?

Não entendi direito o que o presidente desejava saber, mas respondi que as pessoas, por onde eu andava, estavam reclamando bastante dos serviços de transporte, principalmente da qualidade dos ônibus. Ele arregalou os olhos, reorganizou com as mãos o vasto topete, anotou alguma coisa num cadernão sobre sua mesa e retomou a conversa.

Antes de despedir-me, indaguei a Itamar Franco por qual razão havia dispensado todo aquele dispositivo montado para espera-lo no desembarque no Planalto. E sua reposta foi simples, bem ao estilo Itamar, com toda franqueza:

– Uai, era muita gente. Uai, era gente demais!

Essa é uma das raríssimas fotos em que o então presidente Itamar Franco aparece cercado pela trupe de assessores palacianos.

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