Samba conservador

Sozinho no palco, Bolsonaro pergunta e responde, agride e se defende diante do silêncio

Surpreendente e passageiro. Foi assim que segmentos importantes do País entenderam e perceberam a rápida ascensão de Jair Bolsonaro na cena política nacional e sua estrondosa vitória em 2018. Nos aproximamos do final do seu segundo ano como presidente da República e, assim como muito aprendemos com a pandemia, bastante percebemos a respeito do que é, de onde veio e como poderá permanecer o, hoje reconhecido, bolsonarismo no Brasil.

Isabela Kalil, antropóloga e etnógrafa, estudiosa dos movimentos contemporâneos de direita no Brasil, com as devidas prudências para afirmações categóricas dos marcos históricos, sugere que a máquina conservadora e religiosa brasileira, na ocasião capitaneada pela bancada evangélica no Congresso Nacional, começou a se movimentar no início do governo Dilma Rousseff, em 2011. Aprovada no último mês do governo Lula, em dezembro de 2009, com Dilma já eleita, a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos foi vista como um aríete diante das muralhas sagradas pentecostais e neopentecostais brasileiras.

O Deputado Marcos Feliciano e o então parlamentar Jair Bolsonaro. Foto Orlando Brito

Intensificavam-se ali as políticas indenitárias, o debate sobre a descriminalização do aborto, a possibilidade da educação sexual nas escolas e uma revisão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Não por acaso, em fevereiro de 2013 o deputado e pastor Marco Feliciano, numa disputa acirrada, tomou do PT a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. A CDH foi dirigida pelos partidos de “esquerda” praticamente desde a Constituinte de 1988. Nesse cenário, o deputado Jair Bolsonaro, até então concentrado numa defesa quase sindical da corporação militar, passa a defender com intensidade os valores da família, da vida cristã e da moralidade. Constitui assim uma aliança, que mais tarde mostrar-se-ia poderosa e fundamental para a sua eleição em 2018, do Exército, das policias militares e civis e das igrejas pentecostais e neopentecostais.

Steve Bannon com Eduardo Bolsonaro

Na esteira da grande crise da globalização de 2008, que mostrou ao mundo que o conforto seria sempre para poucos, tem início uma grande articulação de uma nova direita na Europa e nos Estados Unidos. Não se sabe ainda quando e nem como o núcleo estadunidense desse movimento se articula com o presidenciável Jair Bolsonaro. Mas a recente visita de Steve Bannon ao Brasil e sua conexão com os filhos do presidente, sugerem que o diálogo aconteceu no tempo oportuno.

Vitorioso, Bolsonaro adota um estilo agressivo e beligerante. Isola-se, fica sem partido e até admite que conspiram contra seu governo. Vem a pandemia, aceita o conselho de valorizar a moderação, constrói sua base no Congresso e não esconde que seu principal objetivo é a reeleição em 2022. Oposição a ele inexiste e menos ainda alguma proposta alternativa de poder ou de gestão. PSDB, PT e os demais, nada dizem, nada sugerem e nada fazem. Degradada, nossa estrutura partidária é ignorada e desconhecida dos brasileiros. Sozinho no palco, Bolsonaro pergunta e responde, agride e se defende diante do silêncio. Evitando a monotonia, parte da chamada grande imprensa, hoje com pouca ou nenhuma importância na formação da opinião pública, pontua alguns descaminhos do presidente.

Difícil prever nosso cenário político e econômico em 2021. Jair Bolsonaro pode até ser vencido ou não ter a capacidade de navegar num eventual mar revolto. As linhas gerais do nosso conservadorismo, valores morais e religiosos, entretanto, devem permanecer. O que não quer dizer que a nossa matriz econômica neoliberal com sua estrutural concentração de renda não estimule um esquecido e necessário debate

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