S. Exa. o Processo

A simplicidade inerente ao processo tem contraponto na complexidade do direito material. Os autores da CLT foram pródigos na concessão de direitos e garantias jamais reivindicados pelos trabalhadores.

Foto Arquivo/Agência Brasília

Definido como forma civilizada de solução de conflitos de interesses, o processo judicial é instrumento de preservação da paz em sociedade. Na versão original da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Processo Judiciário do Trabalho se distinguia do Código de Processo Civil pela concisão e simplicidade.

Ainda hoje o dissídio individual pode ser ajuizado verbalmente ou por escrito, diretamente pelo empregado, pelo sindicato da categoria ou representado por advogado. A petição inicial trará breve exposição dos fatos, o pedido, a data e assinatura do reclamante ou de procurador investido de mandato (CLT, art. 840). Dispensa fundamentação jurídica, exigida no processo civil.

Presidente Getúlio Vargas durante comemorações do Dia do Trabalho, no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, em 1° de maio de 1952. Arquivo Nacional. Fundo Agência Nacional.

A simplicidade inerente ao processo tem contraponto na complexidade do direito material. Os autores da CLT foram pródigos na concessão de direitos e garantias jamais reivindicados pelos trabalhadores nas primeiras décadas do século XX. As pretensões formuladas por organizações sindicais se limitavam à melhoria dos salários, jornada máxima de 8 horas, proteção às mulheres e menores.

Essa a razão pela qual o presidente Getúlio Vargas sentia-se autorizado a afirmar em 1º de maio de 1952, na comemoração do Dia do Trabalho: “Talvez seja o Brasil o único país do mundo onde a legislação trabalhista nasceu e se desenvolveu, não por influência direta do operariado organizado, mas por iniciativa do próprio governo, como realização de um ideal a que consagrei toda minha vida pública e que procurei pôr em prática desde o momento em que a Revolução de 1930 me trouxe à magistratura suprema da nação”.

Fachada do edifício-sede do Tribunal Superior do Trabalho -Foto TST

A Justiça do Trabalho me é familiar. Comecei a frequentar Juntas de Conciliação e Julgamento no início dos anos 60. Com raízes modestas, ao longo do tempo o Poder Judiciário trabalhista se expandiu. Hoje a força de trabalho compreende 44.390 magistrados e servidores. São 1.587 Varas do Trabalho, 3.027 juízes, 24 Tribunais Regionais, 528 desembargadores e o Tribunal Superior do Trabalho, (TST) com 27 ministros. Cada brasileiro contribui com R$ 102 por ano para o orçamento de R$ 22 bilhões, como revela o Relatório Geral do TST disponível na internet.

É inevitável a multiplicidade de decisões divergentes em torno de questões complexas, impondo-se a existência do TST, cuja finalidade precípua consiste na unificação da jurisprudência, conforme prescreve o artigo 896 da CLT.

Tratarei neste breve texto do Recurso de Revista cabível, “das decisões de última instância quando: a) derem à mesma norma jurídica interpretação diversa da que tiver sido dada por um Conselho Regional ou pela Câmara de Justiça do Trabalho; b) proferidas com violação expressa de direito”, segundo o texto original da Consolidação.

A redação atual do citado dispositivo, ao qual se vincula o artigo 896-A, responde pela insegurança que envolve o Recurso de Revista, transformado em corrida de obstáculos, cuja linha de chegada é quase inatingível para a parte vencida.

Princípios de Filosofia do Direito, Guimarães Editores, Lisboa, 1990

Dotado do dom da profecia, escreveu Hegel: “Com sua divisão em atos sempre mais particulares e nos direitos correspondentes, segundo uma complicação que não tem limite em si mesma, o processo, que começara por ser um meio, passa a distinguir-se da sua finalidade como algo extrínseco. Têm as partes a faculdade de percorrer todo o formalismo do processo, o que constitui o seu direito, e isso pode tornar-se um mal e até um veículo de injustiça” (Princípios de Filosofia do Direito, Guimarães Editores, Lisboa, 1990, pág. 206).

Já não basta arrazoar com a violação de literal disposição de lei federal, afronta direta à Constituição Federal ou conflito de jurisprudência. É necessário mais. Exige-se a reprodução do “trecho da decisão recorrida que consubstancie o prequestionamento da controvérsia do recurso de revista”, a impugnação dos fundamentos da decisão recorrida mediante cotejo com a decisão divergente, a transcrição dos Embargos Declaratórios, no qual se pediu ao tribunal que se manifestasse sobre a questão veiculada.

Não bastasse, o recorrente deve convencer o TST de que “a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica” (art. 896-A), seja lá o que isso signifique para o relator.

Rui Barbosa ensinou que “Se a lei não for certa não pode ser justa. (,,,). Para ser certa, porém, cumpre que seja precisa, nítida, clara”. O que mais falta na CLT, em relação ao recurso de revista, são as exigências de precisão, nitidez e certeza.

– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

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