Que tal perder 2 milhões de alunos por ano?

Seriam 16 milhões de alunos no ensino superior, muitos mais teriam se formado, nossos indicadores de escolaridade aumentados, nossos índices de formados mais perto de países como Chile e Argentina (35%). O nosso é de 21%

Analisando os últimos cinco (2015 a 2019) excelentes relatórios sobre o Censo da Educação Superior, produzidos pelo INEP/MEC, resolvi montar um quadro comparativo com alguns dados selecionados.

O quadro é esse a seguir (os números estão arredondados para facilitar):
Matriculas Ingressos Concluintes Vagas

Matriculas Ingressos Concluintes Vagas
2015         8.027        2.920           1.150      8.500
2016         8.048        2.985           1.170   10.600
2017         8.280        3.200           1.200   10.900
2018         8.450        3.445           1.264   13.500
2019         8.600        3.630           1.250   16.300

 

Primeiro achei que alguma coisa estava errada. Comecei a fazer contas de cabeça e pensando logicamente do seguinte modo (sempre em milhões):

Se o ano de 2015 teve 8,027 milhões de matriculas, sendo que desses, 2,920 milhões foram novos ingressos e 1,150 milhão concluíram, então, logicamente, o ano de 2016 começaria com 6,877 milhões (8,027-1,150);

Se em 2016 ingressaram 2,985 milhões, o número de matriculas deveria ser de 9,862 milhões (6,877+2,985) e não 8,048, com um déficit de surpreendentes 1,814 milhão alunos que desapareceram!

 

Jovens estudantes na rua – Foto Orlando Brito

Isso se repete ao longo dos 5 anos analisados, onde, se somadas as matriculas e abatidos os concluintes, o número de matriculados em 2019 deveria se de 16,503 milhões e não 8,600!! Uma diferença de 7,903 ou quase 2 milhões por ano entre 2016 e 2019!

Quer um exemplo mais simples? Todo ano ingressaram cerca de 3 milhões de alunos e concluíram cerca de 1,2 milhões, então o número de matriculados deveria crescer 2 milhões por ano, mas o número de matriculados permanece perto dos 8 milhões! Óbvio, né?

Onde foram parar esses 2.000.000 por ano?
Evadiram! Sumiram! Desistiram! Desapareceram!
Mas se isso não tivesse acontecido teria vaga pra todo mundo? Sim! Basta olhar a ultima coluna. 16,3 milhões de vagas em 2019 (são vagas adicionais).
75% dos alunos do Ensino Superior são de Instituições privadas.

Será que esse índice de evasão é similar para Instituições Públicas ou Privadas?
Separando os números ainda com base nos relatórios citados, verifiquei que o percentual de alunos privados no total ao longo desses 5 anos foi sempre muito próximo de 75%.

Significa que a evasão se comporta de forma similar no público e no particular.
Um quadro adicional é esse retirado do relatório do censo 2019, onde mostra a trajetória ao longo dos anos, dos alunos ingressantes em 2010 (em azul), onde o verde representa os formados e o vermelho representa os desistentes/abandonos.

Apenas como exemplo de leitura vamos ver o ano de 2014 (quinto ano após o ingresso). Apenas 29% dos alunos terminaram e 51% já tinham abandonado. Bem, demonstrado claramente que temos um problema, quais seriam as alternativas?

O problema teria que ser analisado com dois tipos de soluções: a) o que fazer para evitar que isso continue acontecendo? e b) o que fazer para recuperar esses alunos evadidos (drop out recovery).

Difícil propor soluções se não se conhecem as causas do problema. Um estudo mais aprofundado desses motivos para o abandono seria de fundamental importância, mas podemos propor (chutar) algumas alternativas: problemas para conciliar estudo e trabalho; problemas financeiros; decepção com o curso; dificuldade para acompanhar; falta de preparo anterior; não era o que eu pensava….

As soluções passariam por EaD (anytime, anyplace), Ensino híbrido, Financiamento, Reciclagem, Reforço, Personalização, Motivação e outras dependendo dessas causas.
Mas podemos pensar (sonhar?) que o problema esteja solucionado e os alunos perdidos recuperados?

Seriam 16 milhões de alunos no ensino superior, muitos mais teriam se formado, nossos indicadores de escolaridade aumentados, nossos índices de formados mais perto de países como Chile e Argentina (35%). O nosso é de 21%.

Manifestação de estudantes – Orlando Brito

Se o nosso mercado do ensino superior é atraente com 8 milhões de alunos, seria duplamente atraente com 16 milhões, não? Tanto para evitar o abandono, quanto para recuperar os evadidos, será preciso fazer algo atraente e convincente.

Será preciso tornar o aprendizado em algo E.P.A. – EFICAZ – PERMANENTE – AGRADAVEL!
EFICAZ = focado no aluno e no aprendizado;
PERMANENTE = aprendizado contínuo, constante , lifelong learning;
AGRADÁVEL = motivador, desafiador, recompensador de modo a gerar interesse para a continuidade e evitar o abandono/ evasão.
As ferramentas e métodos são vários, tornando o aprendizado cada vez mais híbrido: Adaptive learning; micro learning; personalização; mastery learning; gamificação; metodologias ativas…

E também atualizar o papel dos professores, migrando de fornecedores de conteúdo para “curadores” de conteúdo, selecionando, avaliando, indicando conteúdos e provocando, desafiando e motivando os alunos dentro das metodologias listadas.
Finalizando, ainda será necessário definir melhor “em que ” os alunos estarão interessados ou necessitados, considerando as mudanças no mercado de trabalho, nas tecnologias e nas profissões, mas isso fica para outro artigo.

Paulo Milet é consultor em gestão, Inovação e EaD, Presidente do Conselho de Educação da ACRJ, formado em Matemática pela UnB, com pós em Administração Pública pela FGV e CEO da ESCHOLA.COM

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