Quando Minas Gerais se divide, o trem pode estar feio

Foram dois manifestos de mineiros em menos de 24h. Só um deles, porém, o Segundo Manifesto, talvez represente o nascedouro de uma reação ao dito cujo que governa os brasilianos desde 2019

Nasci em Belzonte mas fui criada por esse interior afora, tanto nas Minas (Diamantina) quanto no comecinho das Gerais (Santa Luzia do Rio das Velhas, região de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado). Sei que mineiro dá um boi para não entrar em briga e uma boiada para não sair dela.

Mineiro não opina: desconfia.

Por isso, ando desconfiada, desde que no espaço de dois dias, dois Manifestos opostos foram divulgados amplamente: um deles assinado pelo Presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) e o outro assinado como cidadãos (e não “representantes” de qualquer entidade) por expressivos nomes do empresariado mineiro. O primeiro, alinhado à loucura de que foi tomado o Senhor Presidente da República em sua cruzada, agora endereçada a dois ilustres membros do Supremo Tribunal Federal, Ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O outro, fazendo somar à insígnia de LIBERTAS também sua consequência maior nos moldes da sociedade onde vivemos: a democracia, representada pelo voto popular mas igualmente pela independência e harmonia entre os Três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

A casa de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, e do filho de ambos, Jair Renan

Talvez eu possa bem acrescentar que neste último Manifesto estão ainda contidas o que o alto-falante fez ressoar pelas ruas da distante Santa Cruz do Capiberibe, em Pernambuco, ironicamente convidando o povo sofrido daquele município nordestino a comemorar “os feitos do governo que aí está. Gasolina? R$ 7. Gás de cozinha? R$ 100. 580 mil mortos por covid, a maioria por falta de vacina. Calma, tem mais. Mansão de R$ 6 milhões de F….B…., filho do Presidente. Falta de vacinação e corrupção na compra da vacina. Aumento da fome e da miséria. Fila do osso, famílias pedindo gordura de boi nos açougues para não morrer de fome…”

Bolsonarista tal como Bolsonaro em manifestação na capital da República – Foto: Orlando Brito

Eu escrevi “talvez” nos acréscimos que fiz porque, como dona-de-casa mineira, vivo angustiada com o que vejo a minha volta: verdadeiros farrapos humanos dormindo nas calçadas (aqui, infelizmente, sempre houve “morador de rua” – mas nunca vi na proporção de agora). Ouço o grito desesperador dos que procuram emprego, sem perspectiva de encontrar; a agonia das mães de família cercadas de filhos amontoados todos em barracos pendurados nos morros, gente que se espreme nos poucos meios de transporte público e a ladainha dos que deveriam estar procurando solução para tais problemas, o de cima zoando nossos ouvidos com a desculpa esfarrapada de que o Supremo o impede de tomar providências para que todos pudessem enfrentar a pandemia com um pouco de dignidade e os governadores e prefeitos premidos por um sistema tributário que distribui recursos em maior monta para a União e delega aos entes federados o cumprimento da maior parte das obrigações sociais.

Não sei não, mas auguro que algo novo nasça do apelo dos que assinaram o Segundo Manifesto dos Mineiros: o primeiro Manifesto, aquele endereçado em 1943 ao fim da ditadura de Vargas, o de agora esperando – quem sabe? – que pelo menos o juízo leve o atual candidato a ditador a sentir a dor do povo e a parar de nos ameaçar a todos com “seu” Exército, “suas” motociatas, “sua falta de ter-o-que-fazer” em lugar de não-governar um país sem rumo rumando para o fim dos tempos…

Eu espero. Eu tenho esperança e fé nos brasileiros!

Deixe seu comentário