Programas de Governo ou Salvadores da Pátria

Antes de fixarem-se em nomes populares ou vistosos, não caberia aos eleitores debruçarem-se sobre os programas de governo dos candidatos nas eleições deste ano? Bem, antes é preciso que haja programas de governo...

Em outubro deste ano, os eleitores vão decidir quem ocupará as cadeiras mais poderosas da República Federativa do Brasil

Nestes 200 anos de independência, saímos de apenas 15 milhões de habitantes para chegar hoje a mais de duzentos num caldeamento racial harmônico de fazer inveja ao
mundo ainda estigmatizado pelo racismo e retrógradas disputas de credos e crenças. Não há dúvida que temos uma democracia consolidada. Mas também é verdade que
ainda não conseguimos incorporar grande parte da nossa população nas vantagens deste regime de liberdade. No império, nossa educação no Novo Mundo só perdia para os Estados Unidos da América; hoje já caímos para nono lugar.

No eixo que avalia a educação, o Brasil teve a pior avaliação entre as nações analisadas, alcançando a 64ª posição. Entre outros fatores, o resultado nesse quesito se explica pelo mau desempenho do país no que diz respeito aos gastos públicos totais em educação. Segundo a pesquisa, quando avaliado em termos per capita, o mundo investe em média US$ 6.873 (cerca de R$ 34,5 mil) por estudante anualmente, enquanto o Brasil aplica apenas US$ 2.110 (R$ 10,6 aproximadamente). [17/06/2021 às 17:07) Rodrigo Maia, Thais Herédia e Larissa Coelho, da CNN, em São Paulo].

Posso dizer por ter me formado Bacharel em Direito pela UFPR, turma 1966, quando já lutávamos por mais verbas para a educação e depois como vereador (1968, Ato Institucional 2, não recebia salário), como Deputado Estadual pelo Paraná por 3 mandatos (1975 a 1987) e Constituinte em 1988, que tenho sido um observador atento da nossa vida política nestes últimos 60 anos. Votei nas ultimas dez eleições diretas para presidente, mas voluntariamente desisti da política eleitoral com esta última Constituinte Parlamentar. Me bastaria que ao menos um dos candidatos desta eleição se apresentasse como defensor da CONSTITUINTE EXCLUSIVA.

Seremos 148 milhões de brasileiros que estarão habilitados a votar (em torno de 110 milhões segundo últimos índices de abstenção) o que valeria perguntar a estes eleitores quantos ficarão sabendo do que seu escolhido fará, ou do que pretende fazer ou, ainda, quais as possibilidades reais do eleito presidente ou governador efetivamente realizar nos próximos 4 anos de governo o que prometeu na campanha?

Esta é a pergunta que não pode ser esquecida pelos eleitores conscientes e não alienados. Diga-se, antes de tudo, que somos um dos poucos países em desenvolvimento e de grande economia, que ainda adotamos a obrigatoriedade do voto. Não seria esta OBRIGATORIEDADE DE VOTAR que tem propiciado as escolhas dos nossos SALVADORES DA PATRIA?

O voto obrigatório não existe em boa parte dos países desenvolvidos e em desenvolvimento

Por outro lado, o voto é obrigatório em vários países da América Latina. Aliás, dos 24 países que segundo a CIA estabelecem o voto compulsório, nada menos do que 13 estão na América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai) e outros 7 são também países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (República Democrática do Congo, Egito, Grécia, Líbano, Líbia, Nauru e Tailândia). [Folha de S. Paulo, UOL, 10/07/2020]

Tenho para mim, da análise e experiência dos duzentos anos de independência, que a Republica, ao eliminar o voto seletivo do império de que apenas os que tinham renda
podiam votar para elegerem deputados e senadores, foi infeliz ao tornar o voto obrigatório a todos e instituir o Presidencialismo. Explico. A República, ao impor que todos os que soubessem ler poderiam votar, deixou de investir na educação. Trocou o ruim pelo péssimo. Basta ver a nossa realidade educacional e o analfabetismo político do nosso povo; é exatamente o fator que cria a desigualdade de renda e social. Não basta saber ler sem saber interpretar o que está sendo lido, sem ter ao menos uma efetiva educação básica.

Obriga-se o analfabeto político a votar, sob pena de multa e restrições de direitos, mas o povo tem que pagar através de impostos o custo estratosférico das eleições e as campanhas bilionárias dos políticos?

Nestas eleições, serão aproximadamente de 4,9 bilhões de reais, o dobro da eleição passada, que nós contribuintes estaremos pagando para os políticos – via este imoral
fundo eleitoral – elegerem-se e se reelegerem. Inquestionável que uma das causas do nosso atraso político está diretamente ligado a este lastimável nível educacional que nos levou ao conhecido analfabetismo político, que vem sendo manipulado e usado pelo establisment, que promete mudar para que nada mude e, com isso, realimentando a elefantíase da máquina estatal e seus privilégios encastelados por esta forma de disputar o poder e discricionariamente governar.

Neste inviável sistema de Presidencialismo de coalizão, exatamente pelo analfabetismo político, nós acostumamos a votar em nome de pessoas e não em PROGRAMAS DE GOVERNO ou partidos como todo o mundo civilizado e democrático vem fazendo.

Aliás, aqui a palavra PROGRAMA não passa de verdadeira falácia com que os políticos se esquivam para não descreverem um plano de trabalho, de metas governamentais, de organograma e calendário de obras, de custos e endividamento do governo ou de como enxugar a estratosférica máquina governamental. De como erradicar a pobreza, estimular e criar empregos, diminuir os gastos governamentais, cortar as mordomias ou aumentar mais os meios de participação popular na gestão pública, para dar alguns exemplos, sem esquecer o óbvio de finalmente tratarmos a educação como prioridade.

“O New Deal consistiu em uma cadeia de programas praticados pelo Estado nos EUA de 1933 até 1937. Foi idealizado durante o mandato do presidente Franklin Roosevelt e o seu intuito foi, a partir da interferência do Estado no plano econômico, a recuperação e reforma do país, auxiliando pela via da criação de empregos e auxílios governamentais os cidadãos afetados pela Grande Depressão gerada pela Crise de 1929. Foi um dos primeiros planos com esta visão no Ocidente e influenciou diversos países na retomada do setor econômico”. [Info Escola] O Plano Marshal para recuperar os estragos da 2ª. Guerra mundial podem ser elencado como modelo de programa de governo.

Muito embora, aqui, a lei eleitoral exige que as candidaturas apresentem um PROGRAMA DE GOVERNO, sabemos que apenas são elencadas meras promessas e intenções dos partidos e candidatos, até porque de fato estes não os possuem.

“Vale salientar que a política brasileira passa por uma falta de credibilidade tremenda, tendo em vista que o período eleitoral no Brasil não é tratado de maneira severa, por parte dos candidatos, no que se trata de promessas políticas. Levando em consideração que todo e qualquer candidato no Brasil, que almeja se candidatar ao cargo executivo, seja ele Presidente da República, Governador de Estado ou Prefeito, é exigido e tido como requisito essencial para registro de sua candidatura ao pretenso cargo que o mesmo apresente ao Tribunal Regional Eleitoral correspondente a sua região um plano de metas, ou seja, esse plano de governo é o que o futuro gestor pretende realizar e executar quando estiver a frente do pretendido cargo”. [Maria Eduarda, em 1º de abril de 2020] ”Sendo assim, um real plano de gestão deve partir da ideia de que é necessário saber o que de fato é de competência daquele cargo ao qual concorre, evitando assim fazer promessas ilusórias que, no entanto, são de competência e responsabilidade de outro ente da federação ou que dependam de outro ente federado. Outra questão importante para estabelecer de forma coerente um plano de governo é verificar a realidade do orçamento e a capacidade de sua área administrativa de realizar investimentos, além da necessidade e uma certa obrigação de ter em mente o decurso de tempo necessário para que essas ações estabelecidas no plano de fato saiam do papel”

Dos mais de 35 partidos que disputaram as últimas eleições – você, nobre leitor deste modesto texto – saberia dizer o que cada um destes chamados partidos defende?

Sinceramente eu não sei. Quantos sabem?

Não existe vida partidária e muito menos convenções internas para discussão de programas e até escolha de candidaturas. Assistimos pelo noticiário da TV o que foi a
confusão das prévias do PSDB no final do ano passado.

O nosso sistema partidário, art. 17 da Constituição Federal, foi totalmente descaracterizado pelas chamadas Comissões Provisórias, que nada mais são do que uma maquiavélica estratégia dos “donos dos partidos”. Conchavos e arranjos à sorrelfa decidem quem apoiar ou como vender o tempo de televisão ou barganhar os bilhões do famigerado fundo eleitoral.

Discutir ideias, ideologias, planos, projetos, metas, necessidades da população, enfim, terem um modelo de país para eles, os donos dos partidos, são despiciendos e secundários, até porque a maioria destes partidos e seus candidatos não dispõem de estruturas técnicas de grupo organizado de pessoas capacitadas com preparo técnico ou intelectual para isso.

Então, se repete a cansativa lenga-lenga dos Odoricos Paraguaçus prometendo e verbejando: “Se eu for eleito vou acabar com a corrupção, com a roubalheira dos
cofres públicos” ou “Não tentarei me reeleger porque sou contra a reeleição”.

Isso me faz lembrar a piada do candidato a prefeito que no palanque do comício final ao povão que o assistia. “Vou plantar árvores nas ruas desta cidade” e um bêbado que
está ao lado do palanque, “muito bem vou me agarrar nelas para não cair”. Risos dos ouvintes enquanto o candidato continua: “Vou tapar os buracos e valetas das
ruas” e o bêbado: “Muito bem, não vou mais cair neles”. O riso e as gargalhadas, mais atentos ao alegre bêbado, irritam o candidato que em altos brados vocifera: “Mas a
primeira coisa que vou fazer é acabar com a cachaça nesta cidade”. A plebe espera a reação do bêbado que pausadamente em reprimenda se manifesta: “JÁ
COMEÇOU A FALAR BOBAGEM”?

Pilhérias à parte, a realidade é outra. Com a grana do imoral fundo eleitoral, os chamados marqueteiros em autêntica propaganda enganosa pintam o candidato de
ouro atribuindo-lhe qualidades e virtudes inexistentes com suas falas de teleprompter ou custosas edições. Daí os arranjos e negociatas pelo tempo de TV. Foi assim que
FHC, Lula, Dilma e agora Bolsonaro, antes mesmo da posse suas entourages já estavam tratando da reeleição.

Até quando?

Mas como a esperança é a ultima que morre, que neste ano simbólico dos nossos dois séculos de independência, ao menos alguns que se declarem candidatos à Presidência ou aos Governos de Estado, inovem apresentando e sustentando de viva voz e sem trucagens televisivas, a viabilidade efetiva de PROGRAMAS DE GOVERNO, demonstrando factibilidade e condições dos mesmos serem realizados sem novos endividamentos.

Candidatos devem assumir postura sóbria de chefes de poder público tratando de altos propósitos para termos uma disputa de nível e não as baixarias costumeiras dos
ataques pessoais e destruição de reputações que não engrandecem a figura de um governante probo, capaz, honrado e honesto.

Futuros candidatos, deixem para seus seguidores apaixonados e cupinchas interessados nos privilégios do poder dos cargos comissionados para fazerem rachadinhas e fake news – já que ninguém os conseguem frear – se dilacerarem pelas redes sociais.

Aliás, um programa de governo discutido pelas redes sociais estabeleceria todas as perspectivas de sua viabilização e conscientização do eleitorado, mas como tais
programas não existem, o que vale mesmo é baixaria e propaganda enganosa.

Futuros candidatos, não venham com a costumeira ladainha de todos os tempos que a educação é a prioridade, porque isso todos sabemos e até hoje ao invés dela melhorar
estamos cada vez pior como é público e notório. Mostrem como pretendem tirar o Brasil deste atraso educacional. Ofereçam ao eleitor um plano real para a educação básica,
demonstrem como isso poderá ser feito e realizado.

* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988 

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