Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa

Nem apenas de guerra vivem os militares, sobretudo num País que há muito não se envolve em conflitos bélicos. Conheça a Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa e a importância das Forças Armadas na história do Brasil

Este ano o Congresso Nacional tem a missão de atualizar os dois mais importantes documentos oficiais sobre a Defesa Nacional: a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END).

Tanto a Política Nacional de Defesa como a Estratégia Nacional de Defesa têm origem na Política de Defesa Nacional, de 1996, primeira orientação produzida por um governo civil depois da redemocratização, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso.

A Política Nacional de Defesa estabelece os Objetivos Nacionais de Defesa (OND) e é o documento de mais alto nível para o planejamento das ações destinadas à defesa do País, como está definido na sua apresentação. A PND “articula-se com as demais políticas nacionais com o propósito de integrar os esforços do Estado brasileiro para consolidar o Poder Nacional, compreendido como a capacidade que tem a Nação para alcançar e manter objetivos nacionais, o qual se manifesta em cinco expressões: a política, a econômica, a psicossocial, a militar e a científico-tecnológica”.

Já a Estratégia Nacional de Defesa está fundamentada no princípio constitucional que determina que o Brasil rege suas relações internacionais baseado na não intervenção, na defesa da paz e na solução pacífica dos conflitos.

Ambos os documentos reúnem as ideias em torno das quais a Questão da Defesa Nacional ganhou status de política de Estado com sentido de permanência e prioridade, conjugada com um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social.

Segundo a doutrina que embasa os dois textos, o desenvolvimento econômico é um dos pressupostos da segurança nacional, e sem ele não há uma economia nacional capaz de sustentar uma indústria nacional de defesa.

O entorno estratégico

Outro aspecto a ser destacado é a valorização da autonomia científica e tecnológica, condição essencial para o domínio das tecnologias sensíveis e de uso dual, sem as quais não há como o País alcançar o estado da arte na fabricação de equipamentos e materiais para a defesa.

O Rio Solimões, fronteira amazônica – Foto: Orlando Brito

Ao mirar o horizonte dos possíveis constrangimentos à segurança do Brasil, os documentos posicionam o que denominam entorno estratégico composto pela América do Sul, com a qual partilhamos 17 mil quilômetros de fronteiras, aí incluída a Amazônia; o Atlântico Sul; os países da África Ocidental e a Antártica.

Aliás, uma das únicas inovações no texto enviado ao Congresso Nacional pelo Ministério da Defesa em relação aos documentos anteriores trata exatamente de uma advertência inserida na Política Nacional de Defesa sobre “a possibilidade da ocorrência de tensões e crises no entorno estratégico, com possíveis desdobramentos para o Brasil, de modo que o País poderá ver-se motivado a contribuir para a solução de eventuais controvérsias ou mesmo para defender seus interesses”.

Na verdade, os textos enviados pelo Ministério da Defesa reafirmam o papel das Forças Armadas como instituições de Estado comprometidas com o desenvolvimento nacional, com a identidade nacional, com a memória nacional, e portadora da dupla missão de defesa da Pátria e de construção do País, construção material e espiritual da qual têm participado desde os gloriosos episódios dos campos de Guararapes.

Escolha e destino

Ao mesmo tempo os documentos reiteram os dois elementos que compõem a defesa nacional: a escolha e o destino. Como destino, a geografia, o território, o espaço aéreo, as águas jurisdicionais, a fronteira continental. Na escolha, os programas e projetos estratégicos, o nuclear, o espacial, o de defesa cibernética, o dos caças, o dos submarinos, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), entre outros.

Parece assim afastado o receio de que a Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa sofressem alterações resultantes da desorientação presente no atual Itamaraty, cujo titular é cria ideológica do escritor Olavo de Carvalho, que alcança ainda com sua influência os filhos do Presidente da República e outras figuras do entorno presidencial.

O atual ocupante do Itamaraty acredita que o mundo vive um choque de civilizações e que o Brasil tem a missão de servir aos sagrados interesses da chamada civilização ocidental, ou seja, dos Estados Unidos, da Europa Ocidental e, quem sabe, mais o Canadá e a Austrália, tratando as demais nações como potenciais inimigas a serem combatidas.

Esse desvario quase levou o Itamaraty a apoiar uma aventura militar dos americanos na Venezuela, o que foi evitado pelo descredenciamento do ministro como interlocutor, e em seu lugar indicado o vice-presidente Hamilton Mourão para a reunião do Grupo de Lima, quando o assunto foi discutido.

Os mandatários do Brasil, Jair Bolsonaro, e da China, Xi Jinping – Foto: Orlando Brito

É ainda do Itamaraty que partem as provocações contra o maior parceiro comercial do Brasil, a China, cuja embaixada foi a única a apoiar o nosso País quando os países membros da chamada “civilização ocidental” nos atacavam por conta do desmatamento e das queimadas na Amazônia.

Provavelmente o Brasil nunca tenha conhecido um período de tanta servidão aos Estados Unidos como o que vivemos atualmente, nem mesmo no gesto subalterno do presidente da UDN e ex-ministro Otávio Mangabeira beijando a mão do general Dwight Eisenhower, ou quando o embaixador do Brasil nos EUA, Juraci Magalhães, disse que o que era bom para os Estados Unidos era bom para o Brasil.

Ao que parece as Forças Armadas ainda estão protegidas da violação do pundonor nacional presente nas ações do Itamaraty e no desfile de bandeiras estrangeiras no Palácio do Planalto em datas festivas nacionais em total desrespeito ao Pavilhão Nacional.

As Forças Armadas se deparam também com a má vontade do grupo que comanda a economia em relação ao seu orçamento. Para os economistas neoliberais, Forças Armadas constituem uma rubrica orçamentária dispendiosa e desnecessária, não fazem sentido nos cálculos dos que julgam o ajuste fiscal o objetivo final da política econômica.

Quando fui ministro da Defesa o orçamento da pasta estava situado abaixo da média da América Latina e América do Sul. Tomei a iniciativa de solicitar a um grupo de parlamentares amigos das Forças Armadas a elaboração de uma proposta de emenda à Constituição fixando em no mínimo 2% do PIB o orçamento destinado à Defesa Nacional.

O futuro grandioso do Brasil

As projeções para a economia mundial apontam o Brasil como uma das cinco grandes economias do futuro, ao lado da China, Estados Unidos, Índia e Indonésia.

Países importantes consideram importantes suas forças armadas, porque geralmente como regra devem sua importância ao protagonismo de seus exércitos, de suas marinhas ou de suas forças aéreas em ações ofensivas ou puramente defensivas.

O mundo poderá e deverá alcançar em horizonte difícil de prever um ambiente de paz e harmonia entre as nações, mas não é o que ocorre nos dias de hoje. Vivemos na verdade o limiar de uma nova corrida armamentista entre as nações que disputam a hegemonia do mundo.

O Brasil deve manter como doutrina a sua vocação de nação pacifista sem esquecer o princípio nascido na antiga Roma segundo o qual defender a paz é preparar-se para a guerra. O pacifismo ingênuo só estimula o agressor e desarma o agredido. Foi a ação generosa e idealista dos pacifistas norte-americanos e europeus antes da Segunda Guerra Mundial que estimulou o armamentismo da Alemanha de Hitler e retardou os preparativos dos aliados para enfrentar a agressão nazista.

O Brasil mantém relações de cooperação e amizade com os Estados Unidos, e é bom que assim seja, mas não deve subestimar a vocação deste grande país para a guerra sempre que seus interesses são contrariados. Não se deve negligenciar o fato de que os Estados Unidos sempre viram a grandeza do Brasil como uma ameaça aos seus interesses no hemisfério.

A presença das Forças Armadas na história do Brasil integra a construção física, científica, tecnológica, política e social da Nação. O Exército comemora seu dia no 19 de abril para marcar sua origem na Batalha de Guararapes, em 1648, por decreto assinado pelo presidente Itamar Franco e pelo ministro do Exército Zenildo Zoroastro de Lucena. Este pernambucano patriota e discreto deu um passo importante na diplomacia de defesa ao batizar com o nome do prócer venezuelano Simón Bolívar um Batalhão de Engenharia em Boa Vista, Roraima, e com o nome do herói argentino San Martin, o Regimento de Cavalaria Mecanizado de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul.

A Marinha nasceu forjada na difícil missão de garantir a Independência do Brasil, tarefa da qual desincumbiu-se com honra e glória, afastando do litoral brasileiro a ameaça naval do império colonial português.

Em 2020, os gaúchos celebram o 185º aniversário do início da Revolução Farroupilha (1835-1845)

O Exército enfrentou as rebeliões do Império, principalmente as do período regencial, quando tivemos quatro guerras civis simultâneas (Farrapos, Sabinada, Balaiada, Cabanagem), ameaçando a unidade e a integridade territorial do País. Vivíamos a situação anômala de um império sem imperador e uma monarquia sem monarca. O Exército restava como a única instituição funcional com sentido de nacionalidade e, portanto, capaz de exercer a função pacificadora e de preservação da unidade e da integridade territorial do País.

A Força Aérea Brasileira escreveu nos céus da Europa uma página de heroísmo na luta contra o nazismo e conformou-se como instituição inovadora com a criação da Embraer e a ousadia do Programa Espacial.

A guerra fria alterou esse panorama ao impor sua dinâmica aos conflitos internos naturais de um Brasil carregado de desigualdades e desajustes. A luta de duas superpotências pela hegemonia mundial envolveu o Brasil e as Forças Armadas em uma divisão cujas sequelas e cicatrizes permanecem alimentadas por todo tipo de interesses desorientados e antinacionais.

Os desafios ao desenvolvimento nacional, pressuposto para a redução das desigualdades e construção de uma democracia estável exigem a mais ampla unidade e a mais profunda coesão social do País. Dividido e fragmentado em torno de falsas agendas conservadoras ou progressistas o Brasil desperdiçará energia em batalhas secundárias, perdendo o sentido do que é mais importante para o seu futuro.

* Aldo Rebelo é jornalista. Foi presidente da Câmara dos Deputados, ministro da Coordenação Política e Relações Institucionais, do Esporte, da Ciência e Tecnologia e Inovação E da Defesa nos governos Lula e Dilma.

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