Patrocinadoras cortam programa que dá espaço para Mourão no RS

Protesto contra jornalistas ou ação pró-Bolsonaro? A debandada de patrocinadores de um programa da RBS, maior grupo de comunicação do Rio Grande do Sul, tem dupla interpretação

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão - Foto Orlando Brito

Quiproquó na imprensa gaúcha. Um grupo de empresas do Rio Grande do Sul, lideradas pelo banco cooperativo Unicred, cancelou o patrocínio a um programa da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, em represália a uma notícia considerada como enunciado de mau gosto.

A matéria referia-se ao assalto cinematográfico à cidade de Criciúma, em Santa Catarina, dia 1º de dezembro último. A reação da patrocinadora foi interpretada como censura ou retaliação ao repórter. O boicote comercial a um espaço jornalístico consagrado, no ar desde 2014, por causa de uma matéria jornalística é atribuída a uma ação contra a liberdade de imprensa, liderada por segmentos da ultradireita política no Estado. Uma questão complicada.

O alvo da retaliação foi o titular do programa Timeline, o jornalista David Coimbra. Ao relatar em tom jocoso os acontecimentos de Criciúma, dando espaço para as declarações dos bandidos nas redes sociais e da espetacular distribuição de dinheiro, a matéria provocou uma crítica feroz de um empresário líder de um movimento ultraconservador, Roberto Rachewski, presidente da Instituto de Estudos Empresariais. Ele cobrou dos patrocinadores do programa a pedido à Rede Brasil Sul (RBS), proprietária da emissora, a cabeça do jornalista. Recebeu o apoio do presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar (ASFIB), coronel Marcos Paulo Beck.

Primeiro o banco Unicred, logo seguido pelos demais cinco anunciantes fixos cortaram seus contratos com o programa: Vinícola Salton, Biscoitos Zezé, SEBRAE e Santa Clara (fábrica de queijos). E o pior: esquivaram-se dizendo que respeitavam a liberdade de imprensa. Ou seja: procuraram tirar o cavalo da chuva. Não adiantou, o assunto domina todos os meios políticos, jornalísticos e culturais do Rio Grande do Sul.

Na área política, a retaliação ao programa Timeline é considerada uma cortina de fumaça para encobrir outro incômodo. Sugere que o grupo bolsonarista procurou calar o jornalista, porque o programa irradiava seguidas e caudalosas entrevistas com o vice-presidente Hamilton Mourão, que logo ganhavam repercussão nacional. Mas o escândalo ultrapassou o limite da truculência ideológica, pois o jornalista David Coimbra é uma das figuras mais expressivas da mídia e da cultura no Rio Grande do Sul. Isto repercutiu em todas essas áreas.

Coimbra tem um Prêmio Esso Regional (2005), 10 Prêmios ARI (da prestigiosa Associação Rio-grandense de Imprensa), Prêmio Direitos Humanos e Press Reportagem. Como escritor, é um esteio da literatura gaúcha, detentor dos prêmios Açorianos (o Jabuti gaúcho), Érico Verissimo e Prêmio Habitasul. No mesmo dia, nas redes sociais, partidários comemoravam e convidavam o público a consumir produtos dos patrocinadores. Entretanto, a RBS não havia demitido os jornalistas envolvidos até o fechamento desta matéria.

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