Os poderes são harmônicos entre si?

Em seu artigo, o autor questiona o papel institucional dos três poderes da República, como a interferência de uns no papel constitucional de outros

Charge enviada pelo autor do artigo

Existe na opinião pública brasileira um questionamento: é o LEGISLATIVO que tem se omitido do seu dever de legislar ou o JUDICIÁRIO que vem usurpando a atividade legislativa e estes dois também se intrometendo no EXECUTIVO?

Nas três últimas décadas, são recorrentes as acusações que se levantam contra a inoperância do nosso LEGISLATIVO e/ou intromissão indevida do JUDICIÁRIO, bem como desvio de conduta dos nossos integrantes do EXECUTIVO, enquanto tem aumentado a corrupção, insegurança jurídica e este descomunal aumento da máquina administrativa, que sempre arrecada mais e devolve menos aos contribuintes.

Para focar com mais objetividade nesta crucial questão, poderíamos exemplificar inúmeras situações, mas tomemos a questão tributária nos baseando em abalizado estudo do IPEA –Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – 1998, coordenado por Ricardo Varsano, em 1996, que nos informa:

“A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 adotou, sem maiores modificações, a composição do sistema tributário existente ao final do Império… Foi adotado o regime de separação de fontes tributárias, sendo discriminados os impostos de competência exclusiva da União e dos estados… Quanto aos municípios, ficaram os estados encarregados de fixar os impostos municipais de forma a assegurar-lhes a autonomia. Além disto, tanto a União como os estados tinham poder para criar outras receitas tributárias”.

“Sistema tributário brasileiro é excessivamente complexo e incoerente – um manicômio tributário”, escreveu Luiz Carlos Becker, na sua clássica obra Teoria Geral do Direito
Tributário, 1988. Sabemos – e os empresários, mais que ninguém – que se gasta 2.600 horas por ano com os trâmites burocráticos para pagar seus impostos, segundo afirma o
Banco Mundial, como o pior resultado entre 189 países analisados. Por outro lado, nós mesmos sabemos que os brasileiros trabalham até o final de maio apenas para pagar tributos. Brasileiro terá que trabalhar 149 dias apenas para pagar…

A tão decantada Reforma Tributária, que tanto se fala há mais de um século, virou uma centopeia legislativa que aumenta as pilhas de projetos no Legislativo, como a elefantíase que contamina o estado brasileiro. Evidente que até agora não saiu pela inoperância do nosso Legislativo, mas que já transformou a Constituição numa colcha de retalhos – com centenas de emendas e milhares que estão sendo discutidas nos mostram a imperiosa
necessidade de termos uma nova Constituição, antes que, assim como o sistema tributário, logo logo também tenhamos um manicômio constitucional, se é que já não temos.

Capa da revista Crusoé

Permanecendo este establishment, se um dia sair a encantada reforma tributária, não é difícil imaginar a retaliação que poderá sofrer no imperial STF – palco final das causas polemicas da competência exclusiva dos outros poderes que inexoravelmente acabam sendo revistas, alteradas, vetadas ou até pioradas pelo Judiciário. Este como pretenso guardião da Constituição, pela própria ingerência política da forma de nomeação e composição dos tribunais, muitas vezes, prevalecem interesses não republicanos que geram insegurança jurídica, abruptas, inesperadas ou liminares abusivas e intempestivas que fomentam ainda mais a falta de harmonia entre os poderes, ao contrário do que prescreve art. 2º da CF que devem ser “independentes e harmônicos entre si…”.

Viveremos o caos até que a própria iniciativa popular acorde e entenda que todo o poder emana do povo e exija uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA para refundar esta nação. Além do mais, nosso STF recebe milhares de recursos. Foram mais de 77 mil processos no ano de 2019, enquanto a Suprema Corte dos EUA aceita, em média anual, cerca 100 a 150 processos para serem de fato julgados.

Jornal de Minas, em 20/03/2017, noticiando aula na Faculdade de Direito da PUC, a então presidente do STF, Carmem Lúcia, pedia uma “transformação” no Poder Judiciário, do país que tem 16 mil juízes para decidir sobre 80 milhões de processos, quando também esclareceu: “Sabemos que as demandas não atendem às urgências que a sociedade quer. Nós, do Poder Judiciário, temos plena consciência de que o tempo da Justiça não
pode levar décadas, que o cidadão não pode morrer sem saber o resultado”.

“E isso não foi a primeira e nem a última vez em que esse tipo de caso “irrelevante” foi submetido ao crivo da Corte. Em 2008, o jornal digital G1 publicou uma reportagem com uma lista de casos “insignificantes” submetidos ao STF, de certa forma a lista chega a ser assustadora visto que, entre os processos estão: (Habeas Corpus) Furto de Boné, um jovem de 19 anos foi condenado a dois anos de prisão por ter furtado um boné em Nova Andradina (MS); (RE) Dívida de R$ 0,009, o 1º Juizado Especial Cível de Belfort Roxo (RJ) julgou procedente ação de indenização por dano moral contra uma empresa que teria deixado de pagar 9 milésimos de real de custas judiciais, o valor foi arredondado para R$ 0,01; (Habeas Corpus) Sono perturbado, um homem foi acusado em ação penal pelo vizinho, militar aposentado, de perturbar a paz e o sossego alheio, sendo que a perturbação seria causada pelos cinco filhos do acusado, todos menores de dez anos. Outro absurdo foi um julgamento para decidir o vencedor do campeonato brasileiro de futebol de 1987 entre Flamengo e Sport. Verdadeira banalização dos recursos e da Suprema Corte. Mesmo dotado de relevante repercussão econômica, o tribunal desportivo seria suficiente, e deveria ter sido a última instância para tal julgamento, mas por fim acabou sendo julgado pelos ministros da 1º Turma que concederam ao Sport o título de campeão brasileiro de 1988.

Que o Legislativo é inoperante e omisso, a realidade nos mostra, bastaria dizer que existem dezenas de Leis Complementares a serem escritas e nossos legisladores não estão nem aí, porquanto suas prioridades apenas gravitam na permanente busca de suas próprias reeleições. Existem as raríssimas exceções dos que tratam do real interesse público, até porque apenas 5% dos atuais deputados conseguiram seus próprios votos para elegerem-se. Basta citar Ar. 79 da CF que exige uma lei complementar para definir as atribuições do Vice-Presidente da República. Já tivemos dois atritos entre Presidente e Vice que redundaram nos impeachments de Collor/Itamar e Dilma/Temer, mas nem assim as atribuições do Vice-Presidente ainda não foram determinadas e, para os bons observadores, o atual Vice-Presidente, apesar do seu reconhecido equilíbrio e preparo, mais parece uma alma penada a pagar um preço incomensurável por sua fidelidade e obsequioso silêncio ante as diatribes do presidente.

São recorrentes decisões internas do Legislativo e Executivo que são distorcidas pela invasão de competência do STF. A propósito, para citar um exemplo atual, ainda não foi sancionada a LDO de 2022 (Lei das Diretrizes Orçamentarias), mas já existe questionamento judicial sobre este imoral Fundo Eleitoral de quase 6 bilhões de reais, enxertado como mais jabuti para os políticos fazerem campanha às custas do contribuinte. Todavia foi o TSE que, usurpando competência legislativa, proibiu o financiamento privado em 2018.

Este ano, o eleitor brasileiro vai acompanhar uma campanha diferente, pois, pela primeira vez, está proibida a doação de empresas para os candidatos, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Sem o dinheiro das empresas, a saída encontrada por deputados e senadores foi definir novas regras para o financiamento da propaganda eleitoral. Depois de muita polêmica e poucos dias antes do prazo final para a proibição valer em 2018, Câmara dos Deputados e Senado aprovaram a criação do Fundo Especial
de Financiamento de Campanha, por meio da Lei 13.487/2017, que soma R$ 1,716 bilhão de recursos públicos. Além desse fundo, as legendas apostam em doações de pessoas físicas e vaquinhas virtuais para aumentar o montante de recursos. (Publicado em 10/06/2018 – Por Karine Melo – Repórter da Agência Brasil – Brasília.)

Ou quando o STF mais uma vez legislou para manter o atraso institucional, derrubando a moralizadora Cláusula de Barreira dos partidos nanicos, também vale ser lembrada:

“O STF decidiu… a cláusula de barreira é inconstitucional. Por unanimidade, os ministros presentes acompanharam o voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, que considerou que a legislação provocaria o ‘massacre das minorias’. Dessa forma, os ministros do STF acataram a ADIN (ação direta de inconstitucionalidade) promovida pelo PC do B com o apoio do PDT, PSB, PV, PSC, PSOL, PRB e PPS (agora MD). O argumento dessas legendas é que a lei 9.096, de 1995, que criou as regras da cláusula, fere o direito de manifestação política das minorias. A regra – prevista na Lei dos Partidos Políticos – estabelecia que os partidos que não tivessem 5% dos votos para deputados federais ficariam com dois minutos por semestre, em rede nacional de rádio e de TV, teriam de ratear com todos os demais partidos 1% dos cerca de R$ 120 milhões do Fundo Partidário. Além disso, esses partidos pequenos não teriam direito a funcionamento parlamentar: seus deputados e senadores poderiam falar e votar no plenário, mas não teriam líderes nem estrutura de
liderança”. (Andreza Matais – Folha Online em 07/12/2006)

Mas o STF também é omisso, pois o art. 93 da CF é bem claro em determinar: “Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura.” Tal iniciativa ainda não aconteceu e, o que é pior, o STF vem se servindo da LEI Nº 7.170, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1983, a famigerada e draconiana Lei da Segurança Nacional, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, do
regime militar.

Por outro lado, o próprio STF mostra que não cumpre o artigo 5º – TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI, porque os membros da magistratura, tornaram-se desiguais e acima da lei. A prova está no próprio site do STF, bastando acessar pela internet, em busca
de processos, para encontrar a ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4393 – que já tem voto do Ministro Ayres Brito pela inconstitucionalidade da Lei 5.535/2009, a famosa lei do presidiário carioca – que em acordo com o TJ do Estado do Rio de Janeiro criou a lei do auxilio moradia e todos os outros penduricalhos que fizeram os salários da
magistratura ultrapassar o teto constitucional. Este pedido de vistas está dormindo em berço esplêndido no gabinete do atual presidente, o mesmo que pediu vistas em 2012 e vamos chegar aos 10 (dez) anos sem julgamento. Enquanto isso o salário da magistratura não obedece a igualdade de todos perante a lei.

Cansativo e repetitivo seria enumerar esta omissão, intromissão e verdadeira balbúrdia legal pela desarmonia dos nossos poderes. Continuo acreditando no regime democrático do primeiro artigo da nossa CF que TODO O PODER EMANA DO POVO, o qual, se acordasse, pela iniciativa popular do art.14, III, será capaz de refundar a República pela via da CONSTITUINTE EXCLUSIVA, ainda não usada na nossa história.

“Os parlamentares brasileiros têm particular prevenção contra os institutos de participação direta do povo no processo legislativo, por entender que isso desprestigia os legisladores (se é que eles tivessem algum). Não foram ainda capazes de perceber que, ao contrário disso, o exercício da democracia semidireta contribui para fortalecer as instituições representativas” (José Afonso da Silva). Por outro lado, o sistema eleitoral que no momento é mais um espetáculo circense pela discussão do voto impresso, continua com
a fraude do voto proporcional responsável direto pela queda de nível do Poder Legislativo. Basta lembrar que neste circo de horrores o Tiririca também passou a perna no eleitor paulista ao mentir que “pior que está não fica”, mas ficou. Agora o próprio povo virou um mero palhaço coadjuvante dos nossos políticos.

Chega de buscarmos salvadores da pátria, como tem sido o costume do atraso e a manutenção desta elite política que se mantem pela ditadura partidária que nos explora, oprime e não permite termos uma nação séria com igualdade de oportunidades. Para quem já militou na política brasileira, sabe da beligerância entre poderes, não só existe, mas pior que isso, proliferam denúncias de “rabo preso” das pessoas que integram a elite governamental.

Enquanto tivermos este sistema presidencialista de coalizão do toma lá dá cá e a interferência política na nomeação dos ministros dos tribunais, sempre existirá a discórdia. Assim quando o exterior diz que o Brasil não é um país sério, fica difícil provar o contrário, com as decisões judiciais que mudam ao sabor das conveniências ou interesses momentâneos ou, como agora, em que assistimos este bate-boca sobre o sistema de votação da urna eletrônica.

Tomemos como exemplo uma refrega destas entre Lula e o recém aposentado Min. Marco Aurélio em ”O juiz realmente não pode falar fora dos autos”, alerta Luiz Flávio Gomes, jurista e professor de Direito Penal, ao comentar o bate-boca entre o presidente Lula e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello. “Segundo Gomes, está expresso na Lei Orgânica da Magistratura que juiz só deve se manifestar em processo sob sua responsabilidade. Gomes, que foi juiz criminal por 15 anos, diz que a regra do silêncio vale para qualquer nível – juiz de primeiro grau, desembargador e ministros dos tribunais superiores. O embate entre Lula e Marco Aurélio ocorreu porque o DEM e o PSDB pediram no Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão do programa Territórios da Cidadania, lançado no início da semana, por considerá-lo eleitoreiro. Na quinta-feira, em Aracaju, Lula disse que ‘seria bom que o Poder Judiciário metesse o nariz apenas nas coisas dele’, referindo-se, sem citar nomes, ao fato de que Marco Aurélio dois dias antes havia criticado o Territórios da Cidadania – para ele, um programa social em ano eleitoral, o que a lei proíbe – e afirmado que a oposição poderia contestá-lo na Justiça. Para o presidente, as declarações teriam sido a senha para a oposição recorrer. Na sexta-feira, Marco Aurélio reagiu. ‘Na nossa área jurídica há um fenômeno denominado o direito de espernear. Aqueles que se mostrem inconformados por isso ou aquilo têm o direito de reclamar. Eu só estranhei a acidez do presidente’, afirmou. ‘Como ele estava no palanque, eu relevo. Ele estava num ambiente propenso e talvez tenha esquecido que não está em campanha’. Para Gomes, essa troca de farpas causou perplexidade. Mas o jurista acredita que ‘não existe uma crise institucional, isso é coisa boba’. ‘Juiz não pode falar?’ está na Lei Orgânica e todos os magistrados, sem exceção, a ela devem se submeter. Os juízes, de fato, devem ser mais cautelosos. A magnitude da função de ministro exige ponderação, equilíbrio. Mas o presidente de um tribunal não tem o direito de falar? O ministro Marco Aurélio não deveria ter declarado nada. Por quê? Porque ele vai participar desse julgamento. Ainda que não vote, é ele o presidente do tribunal eleitoral. É ruim para o País um embate dessa natureza? É ruim para a democracia, para o fortalecimento das instituições”. (Fausto Macedo, O Estado de S. Paulo 01 de março de 2008)

Além do manicômio tributário que espanta os investimentos externos com o tal custo Brasil, ainda temos um verdadeiro picadeiro das refregas e retaliações entre os nossos poderes. Até quando esta situação continuará? Despreparo de um politico ou falta de compostura exige do magistrado como um expectador atento aos anseios da sociedade, uma postura de equilíbrio e temperança, afinal ele estuda e se prepara para isso. Ano que vem iremos comemorar os dois séculos de independência. O Povo que foi escravo nos 3 séculos de colônia e caldeou-se na República vem fazendo a sua parte com trabalho e amor a esta terra, tanto que na próxima década seremos os maiores produtores de alimentos do mundo, mas na contramão disso, os últimos governantes conseguiram bater o recorde mundial da corrupção governamental.

* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi constituinte em 1988 

Deixe seu comentário