O que fazer sem homens públicos?

O autor lamenta a morte do jurista Sérgio Sérvulo e a falta de homens públicos cordiais em tempos de redução da política a um confronto quase bélico entre inimigos

Sérgio Sérvulo da Cunha

Conheci pessoalmente Sérgio Sérvulo da Cunha em 1982, na OAB/SP, à época presidida por Márcio Thomaz Bastos. Recebeu-me naquele feitio de sempre, atencioso e polido,  emprestando todo o apoio para uma pesquisa sobre os bacharéis em Direito na grande São Paulo.

Dos anos oitenta até 22 de novembro de 2021, quando me comuniquei com Sérgio pela última vez, não faltaram oportunidades para estarmos juntos. Em quase todas as conferências nacionais da OAB por quase duas décadas, como convidados e nas Comissões da OAB/Conselho Federal. Em discussões nos encontros internacionais de direito alternativo  (Florianópolis de 1990 a 2010).

Quando propus realizar o segundo encontro de direito civil alternativo em Porto Seguro, lá estava Sérgio ao lado de Ricardo Lira, Márcio Puggina, Silvio Donizete Chaves, com o sorriso de sempre, apoiando uma ideia por muitos considerada fora da casinha.

Em Paris no ano de 2008 convidei Sergio e Yara para um jantar com João Luiz Duboc Pinaud e Katia. Suas preocupações eram com o futuro, a continuidade da democracia e uma redefinição nas posturas dos juristas, ainda muito conservadores.

Sérgio sempre esteve à frente do seu tempo, igual Pinaud. Redigiu a peça do impeachment do Presidente Collor. Foi vice-prefeito de Santos na gestão do PT. Pinaud trilhou o incansável  caminho da luta contra a ditadura, por democratização, inclusive coordenando fóruns internacionais sobre a dívida externa. Também aceitou o desafio de ser secretario de Justiça do RJ.

Uma dupla de juristas liberais excepcionais. Com a morte deles  amplia-se o vazio no campo do político. Nos faltam homens públicos cordiais em tempos de redução da política a um confronto quase bélico entre inimigos.

Sérgio além de jurista atinado na crítica hermenêutica era também poeta e filósofo do direito (formado em Direito e em filosofia, tendo sido aluno de José Arthur Gianotti).

Escreveu dezenas de livros entre eles não uma, mas duas obras-primas. ÉTICA e MORALIS INSTITUTIO. Para o primeiro pediu-me uma apresentação. Pedi socorro ao Prof.  Willis Santiago Guerra, solicitando ideias para a construção do texto, sendo imediatamente atendido. Mas não me senti à altura do desafio, e declinei de tão honroso convite. Trata-se de um profundo e cuidadoso estudo a merecer leituras, traduções, para melhor aproveitamento na vida pública.

O segundo tem tudo a ver com sua preocupação humanista e sentido de vida profundamente cristão: o indivíduo em suas condutas, garantias, honra e vida que entrecruzam as esferas do privado e do público.

Com a partida de Sérgio Sérvulo fica no ar uma indagação: o que fazer sem homens públicos?

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