Estávamos habituados a assistir golpes e tentativas de golpes na América Latina e em países subdesenvolvidos da África. Nunca presenciamos, porém, algo semelhante ao que acaba de acontecer nos Estados Unidos da América, patrocinado pelo presidente Donald Trump.
Desde o momento em que se deu conta de que poderia ser derrotado na tentativa de reeleição, Donald Trump entrou em rápido processo de histeria, estimulado por integrantes do governo e membros do Partido Republicano, inconformados diante da possibilidade de transferência do poder ao Partido Democrata.
Os Estados Unidos são governados pela mais antiga Constituição escrita do mundo. Mais velha apenas a da Inglaterra, cujos fundamentos estão fincados no regime monárquico e cuja solidez é garantida pelo peso de milenar tradição.
A insana tentativa de Donald Trump de recusar a validade das eleições que deram a vitória a Joe Biden o levou a desafiar o sistema eleitoral adotado desde a fundação dos Estados Unidos, com a redação da Carta Magna em 1787 “por um grupo de homens excepcionalmente sábios, e ratificada por convenções em todos os estados”, como reconhece Robert A. Dahal no livro “A Constituição norte-americana é sábia?”.
É possível que o modelo eleitoral americano, disciplinado pela Constituição, apresente defeitos aos olhos dos estrangeiros. O fato de não haver sido alterado desde as eleições de George Washington, John Adams, Thomas Jefferson, James Madison, até chegar a Jorge W. Bush, Bill Clinton, Barak Obama, passando por duas guerras mundiais, guerra fria, guerra da Coréia e do Vietnam, assassinato de J.F. Kenedy, demonstra ser aceito sem restrições pelos americanos e comprova a lisura do processo de escolha do presidente da República.
Dadas as semelhanças entre Donald Trump e Jair Bolsonaro, na maneira peculiar que têm de interpretar o poder do presidente da República e o regime democrático, devemos estar preparados para as eleições de 2022. Não me surpreenderei se, eventualmente derrotado, o presidente Bolsonaro insistir no argumento da fraude provocada pela utilização do voto eletrônico.
A urna eletrônica representa considerável avanço em relação aos sistemas anteriores. Se há compra de votos, não acontece na cabine de votação. Compra havia no passado, quando se usava cédula de papel. Os problemas do nosso modelo eleitoral residem nos partidos fisiológicos, no Fundo de Financiamento Partidário, no Fundo de Financiamento de Campanha, na escolha de cima para baixo de candidatos. O Tribunal Superior Eleitoral não faz restrições às urnas eletrônicas. Sempre que provocado afiança ser confiável.
Devemos nos mobilizar para as eleições em 2022. Se perdurarem as graves questões sanitárias, sociais, econômicas, políticas, a extrema pobreza, o desemprego, os resultados deverão ser adversos ao presidente Jair Bolsonaro. Derrotado, como é possível no regime democrático, respeitará as regras do jogo, como as encontrou ao vencer as eleições de 2018. A insana tentativa de golpe do presidente Donald Trump, debelada pela polícia do Capitólio, revela a fragilidade de gestos tresloucados contra a legalidade.
O regime democrático implantado em 1988 não será sepultado por golpe de Estado. O povo livre está preparado e disposto a resistir.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi ministro do Trabalho. Ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho