O encerramento das atividades da Ford é mais um entre milhares de episódios semelhantes, provocados pela debilidade de economia anêmica, dependente de constantes transfusões de sangue na forma de subsídios governamentais, empréstimos, ajudas externas e barreiras alfandegárias.
Como advogado de sindicatos profissionais, a primeira experiência que tive com demissão coletiva ocorreu em 1969 na cidade de Espírito Santo do Pinhal, quando a empresa Máquinas Federighi, fabricante de produtos de ferro forjado, encerrou as atividades e dispensou os empregados. Não me recordo das circunstâncias do caso. Provavelmente a indústria produzia artigos obsoletos e sem mercado.
Sob o governo Castelo Branco (15/4/1964-15/3/1967) foi aprovada a Lei nº 4.923, de 23/12/1965, conhecida como “lei de crise”. Instituiu o Cadastro Geral de Admissões e Dispensas de Empregados e permitiu a redução de salário, mediante negociação coletiva. Visava deter crescente onda de desemprego. Com a leitura do capítulo “A Restauração Econômico-Financeira”, do livro O Governo Castelo Branco, de Luís Viana Filho, Ministro Chefe da Casa Civil, é possível entender os motivos que levaram tantas empresas à falência durante o primeiro governo militar e as razões do desemprego que colocou na rua centenas de milhares de trabalhadores.
Algumas quebras marcaram época em nossa história. Na imprensa a do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil. Na aviação da Panair, da Vasp, da Transbrasil, da Varig. No setor industrial a falência das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo – IRFM em 1981. Na mesma época, em Porto Feliz deixaram de funcionar a Fábrica de Tecidos Nossa Senhora Mãe dos Homens e o Engenho Central, os principais empregadores do município.
Em Perus tivemos do caso da fábrica de cimentos do empresário J.J. Abdala, conhecido como “mau patrão” por violar sistematicamente a legislação trabalhista. O encerramento de atividades da Usina Catende em Pernambuco e da Usina Tamoio, em Araraquara, devem ser relembrados. Ambas figuravam entre as maiores produtoras de açúcar e de álcool do mundo. Tivemos a liquidação da Rede Ferroviária Federal, a extinção da Estrada de Ferro Sorocabana e da Companhia Municipal de Transportes Coletivos – CMTC, em São Paulo. Mais recentemente a operação Lava Jato atingiu grandes empreiteiras como Odebrecht e OAS, levando água para o moinho do desemprego.
A história econômica do Brasil mostra breves fases de crescimento seguidas por longos períodos de estagnação e recessão. O chamado “milagre brasileiro” foi efêmero, assim como foram breves os meses de euforia durante o primeiro Plano Cruzado.
Desenvolvimento sustentável é expressão conhecida, mas que nunca se conseguiu no Brasil. A crise em que nos encontramos teve início em 1964. Na década de 1970 a indústria automotiva – carro chefe do setor industrial – alcançou posição de destaque no mundo. “A implantação e desenvolvimento do setor automotivo impulsionaram o Brasil a mudar de patamar econômico. O País deixou de ter a sua economia baseada na agricultura e na produção de commodities primárias. Passou, de fato, a ocupar lugar no chamado mundo industrializado” (A Indústria Automobilística Brasileira 50 Anos, Edição Comemorativa dos 50 Anos da Anfavea, SP, 2006, pág. 24).
Ocorre, todavia, que desde a década de 1980 sucessivas crises econômicas, no Brasil e no mundo, afetaram o setor automotivo e a cadeia de produção. Expectativas otimistas registradas entre 2016 e 2017 foram desmentidas pelos fatos. O tradicional de motor à gasolina, diesel, álcool ou gás natural, está fadado a desaparecer, substituído por motor acionado pela eletricidade.
A indústria automotiva brasileira, sob o predomínio e o controle de grandes empresas estrangeiras, não demonstra se encontrar preparada para salto tecnológico necessário. Além desse aspecto, é necessário registrar a elevada capacidade ociosa de grandes empresas. Dentro desse cenário, o socorro de matrizes a montadoras no País “soma US$ 69 bi nos últimos seis anos”, conforme noticiou O Estado de S. Paulo na edição do dia 14.
O fechamento da Ford causa irreversível perda de 5 mil empregos diretos e de não se sabe exatamente quantos indiretos. Estamos assistindo a mais um capítulo de longa e antiga sucessão de insucessos, responsáveis pela existência de mais de 14 milhões de desempregados.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi ministro do Trabalho. Ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho