O episódio Watergate mostrou que a lei deve ser respeitada por todos, até pelo presidente mais poderoso do Planeta.
Como então correspondente em Washington do serviço latino-americano da Agência Reuters, tive a missão de escrever diariamente em espanhol sobre o episódio para milhões de leitores.
A primeira reportagem, em 1972, foi discreta como mais uma noticia de policia publicada nas paginas internas dos jornais. Noticiava que cinco pessoas foram detidas, supostamente ladrões, por invadir o escritório do opositor Partido Democrata, no prédio Watergate localizado junto ao Rio Potomac, em Washington.
Semanas depois de publicada essa curta noticia policial, Richard Nixon venceu facilmente as eleições presidenciais. Após a eleição, o Washington Post começou a publicar uma série de matérias sobre a invasão da sede do Partido Democrata descartando a hipótese de uma ação isolada de marginais.
Fazia menos de um ano que eu tinha chegado a Washington para traduzir para os leitores latino-americanos o que acontecia na Roma dos tempos modernos, na definição de um diplomata da época.
Os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein assinavam as matérias no Washington Post e escreviam sobre indícios de motivação política da Casa Branca. E a Casa Branca desmentia ou buscava desmerecer cada uma dessas matérias. Pensei que os colegas repórteres perderiam o trabalho. Nada disso.
O jornal ampliou a cobertura do caso deixando claro que a Casa Branca tinha culpa no cartório e afirmava ter fontes confiáveis. Quando cresceu a pressão das autoridades contra o Washington Post, pensei que esse veículo poderia baixar o tom ou substituir os noticiários por trivialidades, como eu já havia visto ao Sul do Equador. Nada disso.
A fonte depois conhecida como Garganta Profunda – Deep Throat era o título de um conhecido filme pornô da época – debilitava as versões da Casa Branca com informações precisas. Em 2005 foi revelado que essa fonte era W. Mark Felt, o ex-número 2 da Policia Federal americana (FBI).
Essa coragem da imprensa independente teve um efeito cascata. Os principais jornais dos Estados Unidos passaram a focar também no tema Watergate. A Casa Branca passou a reclamar da mídia quando nomes de assessores de Nixon eram mencionados nas noticias relacionadas à invasão da sede do partido democrata. Nada adiantou.
O editor chefe para America Latina passou a revisar pessoalmente os textos preparados por mim. Era desgastante o esforço para interpretar minúcias legais colocadas por grandes especialistas em inglês que dominava perfeitamente. Porém, esta era a minha terceira língua.
A agência queria evitar que detalhes de redação retirassem a credibilidade das matérias em que pese dominar perfeitamente o inglês era, como eu disse, meu terceiro idioma. No meu escritório no National Press Building, na 14th, esquina com a F. Street, eu também estava preocupado com a possibilidade de ter qualquer problema com a todo-poderosa Casa Branca, onde era credenciado como correspondente estrangeiro.
Em todo momento, apesar da tensão entre a Casa Branca e a imprensa na aceleração do processo, testemunhei o completo respeito entre as partes.
Quando Nixon, o presidente, cumpria um ano e meio no seu segundo mandato, novas informações ligaram seus assessores àquela ilegal invasão. Para relembrar, criou-se, então, um Comitê de Investigação no Senado.
Foram apreendidas fitas gravadas na Casa Branca que indicavam mas, porém, não provavam, que o presidente tinha conhecimento das operações ilegais contra o partido de oposição. Contudo, verificou-se que haviam sido editadas.
Assessores presidenciais do primeiro escalão renunciaram e foram convocados a depor perante o Comitê. A princípio, pensei que o público ia se cansar de acompanhar as cuidadosas palavras de juristas, advogados, assessores e senadores falando de leis, história, tradição e de ética. Nada disso.
Grande audiência acompanhava a TV que transmitia, ao vivo, diária e integramente as longas sessões. Muitos parlamentares democratas e numerosos republicanos concordavam que o presidente não poderia apelar à doutrina do privilegio do Executivo e deixar de entregar fitas completas do Salão Oval. A verdade precisava ser exposta.
O cerco fechou-se. O Attorney General (Procurador-Geral) fez a sua parte com total isenção. Em julho de 1974 a Suprema Corte, por unanimidade, obrigou a Richard Nixon a apresentar as gravações originais que comprovariam o seu conhecimento e envolvimento no crime.
Duas semanas depois do ato da Suprema Corte, o presidente renunciou.
Nixon livrou seu país do tormento de um demorado processo desgastante para os três poderes. O vice Gerald Ford completou o mandato, com total normalidade e sem o caos que alguns profetizavam ao inicio do processo.
Os Estados Unidos saíram da paralisia provocada pela crise política que comprometia a sua economia e suas relações com o mundo. Acredito que o país ficou ainda mais forte para enfrentar os grandes desafios.
— Guillermo Piernes foi correspondente da Agência Latin-Reuters, em Washington e Rio de Janeiro, e da UPI em Brasília. Ex-porta-voz da OEA em Washington e diretor do organismo regional em Brasília. Foi colunista da Gazeta Mercantil e editor sênior da Gazeta Mercantil Latinoamericana. Autor do livro Comunicação e Desintegração na América Latina. Atualmente escreve apenas as suas memórias.