Nem a Velhinha de Taubaté acredita na versão de Bolsonaro à PF

Se a cascata no depoimento à PF vai colar do ponto de vista jurídico ainda não se sabe, mas que como estratégia de comunicação serviu para alimentar a militância, acabrunhada com o episódio das joias sauditas

O ex-presidente Jair Bolsonaro após prestar depoimento à Polícia Federal (PF) sobre os ataques do dia 8 de janeiro em Brasília - Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil
Invasão ao Congresso Nacional, STF e Palácio do Planalto, em Brasília – Foto Reprodução

Bolsonaro nunca decepciona. É mesmo um fanfarrão. Não assume responsabilidade por nada. Ao ser flagrado em situações adversas tenta terceirizar a culpa. Na quarta-feira, durante depoimento à Polícia Federal, não podia ser diferente. A desculpa de que postou um vídeo contestando o resultado das eleições, dois dias após a tentativa de golpe fracassada do 8 de janeiro, “sem querer” e que “estava sob efeito de morfina”, não cola nem pra Velhinha de Taubaté.

Primeiro porque o vídeo vai ao encontro de tudo que o ex-presidente sempre pregou e defendeu ao longo dos últimos dois anos. Antes, durante e depois das eleições, o discurso bolsonarista constantemente foi o de criar em seus seguidores a desconfiança a respeito do sistema eleitoral brasileiro.

Anderson Torres – Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

Não por acaso, a minuta do golpe, encontrada na casa do seu ex-ministro da Justiça Anderson Torres, previa a decretação de estado de defesa no TSE, o que daria poderes a Bolsonaro para interferir na atuação da Corte eleitoral. Portanto, dizer que postou “por equívoco” um vídeo cujo o conteúdo está de acordo com o seu pensamento, não cola.

Além disso, foram muitos os ataques ao sistema eleitoral brasileiro liderados pelo ex-presidente. Quem não se lembra da viagem aos Estados Unidos, em fevereiro de 2020, quando Donald Trump ainda era presidente, na qual Bolsonaro prometeu apresentar provas de fraudes nas eleições de 2014 quando retornasse ao Brasil? As tais provas nunca foram entregues, mas a dúvida na cabeça dos seus seguidores foi plantada.

Encontro com chefes de missão diplomática no Palácio da Alvorada – Foto Clauber Cleber Caetano/PR

Também não tem como esquecer a reunião com embaixadores no Alvorada, em julho do ano passado, quando Bolsonaro atacou as urnas tentou colocar sob suspeita o sistema eleitoral brasileiro perante o mundo.

O depoimento de Bolsonaro à PF de tão cínico chega a ser risível. Lembra até outro famoso episódio do folclore político brasileiro, quando o advogado Frederick Wassef tentou convencer a jornalista Andréia Sadi de que não sabia como Fabrício Queiroz, encontrado pela Polícia escondido em sua casa em Atibaia, havia entrado lá.

Primeira-dama, Michelle Bolsonaro – Foto Orlando Brito

Do ponto de vista jurídico não dá pra dizer se a cascata vai funcionar. Mas como estratégia de comunicação foi até positiva para o ex-presidente. Primeiro porque Bolsonaro dividiu os holofotes com a instalação da CPMI do golpe. Depois, conseguiu tirar de foco a notícia de que a ex-primeira-dama Michelle admitiu ter recebido pessoalmente o segundo pacote de joias sauditas, fato muito mais desgastante para clã bolsonarista do que as críticas ao sistema eleitoral.

E por último, mas não menos importante, por ter deixado em segundo plano o silêncio de Bolsonaro sobre assuntos que podem comprometê-lo muito mais perante à Justiça, como a tal minuta do golpe.

Bem ou mal, mesmo que de forma tosca, Bolsonaro conseguiu alimentar a militância.

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