Autossuficiência em energia passa pelo setor privado, avalia Cardeal

“Um país da grandeza do Brasil tem que controlar, mesmo com investimentos privados, a sua soberania energética nacional”, defende o ex-presidente da Eletrobras

Fontes alternativas de energia, como as representadas na imagem, são uma possibilidade de energia limpa e de baixo impacto ambiental negativo
Ex-presidente da Eletrobras, Valter Cardeal – Foto: Agência Brasil

O ex-presidente da Eletrobras, Valter Cardeal, disse, nesta quarta, 26, em Brasília que a parceira público privada (PPP) terá um protagonismo cada vez maior nos investimentos do setor elétrico, a fim de garantir mais energia para a retomada do crescimento da economia; isso sem comprometer a soberania energética do País. É que as projeções indicam um consumo de energia bem acima do percentual de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) daqui para frente, sendo urgente novos investimentos para ampliação de oferta de energia.

Para evitar um apagão elétrico no futuro já estão prontos os estudos para construção de novas usinas hidroelétricas que devem gerar mais de 15 mil MW de energia nos próximos 5 anos. Só falta definir quem serão os investidores. A produção de energia hidroelétrica, incluindo Itaipu, que hoje é de 49,2 mil MW,  representando 77% da oferta global, subiria para 64,2 mil MW com as novas usinas a serem construídas.

Com escassez de recursos públicos, os grandes projetos de usinas hidroelétricas, eólicas e de painéis solares serão oportunidade de investimentos de empresas privadas nacionais e estrangeiras daqui para frente.

Sem medo da iniciativa privada 

Fontes de energia renovável, como a eólica e a solar

“Um país da grandeza do Brasil, com recursos naturais notadamente de energia limpa e renovável, que está no caminho da busca mundial de emissão zero de carbono, tem que controlar, mesmo com investimentos privados, a sua soberania energética nacional”, disse Cardeal em palestra feita no auditório  do escritório de advocacia Jacoby Fernandes & Reolon, em evento que contou com a presença do ex-ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, advogados e  especialistas no setor elétrico, sobre os desafios  público e privado diante da necessidade de produção sustentável de energia com redução da emissão de carbono. Os advogados Jorge Ulisses Jacobi Fernandes e Jaques Reolon, sócios do escritório, são uns dos maiores especialistas em direito administrativo do País, com eficácia em atuação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).

A energia hidrelétrica nada mais é o que a obtenção de energia elétrica através do que chamamos de potencial hidráulico de um rio

A produção de energia hidroelétrica, pelo custo e benefício, é a mais competitiva que o Brasil tem, mesmo com  todos os gastos para mitigar os impactos ambientais e sociais. Hoje, 60% da energia é gerada pelas usinas hidroelétricas. A última usina feita pelo País, em parceria entre a Eletrobras e o setor privado, Belo Monte, garantiu a capacidade instalada de 11,391 mil MW, mas teve que cumprir muitas exigências ambientais e absorver todos os custos em projetos sociais para amenizar os impactos da usina junto à população ribeirinha e indígena. Coisa que fará parte dos desafios de produzir energia renovável, especialmente em áreas de reservas indígenas.

PPPs no horizonte 

A experiência das PPPs, iniciada em 2003 pela Eletrobras, vem sendo aperfeiçoada e trouxe grandes resultados para diversificação da planta energética. É um caminho de oportunidades nesta relação de parceria entre setor público e privado que foi iniciado em 1879, quando Dom Pedro II concedeu ao cientista Thomas Edson a permissão para instalação de equipamentos para geração de iluminação pública no Rio de Janeiro.

Eletrobras, numa de suas sedes regionais – Foto: Agência Brasil

Desde então, diversas experiências foram feitas pelo setor estatal e privado, e o setor elétrico ganhou experiência e musculatura. Com a criação da Eletrobrás pelo presidente João Goulart, o setor elétrico teve papel estratégico para o desenvolvimento industrial e qualidade de vida da população. A privatização da Eletrobrás, concluída no governo de Jair Bolsonaro, teve uma inovação na legislação  de claro prejuízo  ao erário público em benefício ao acionista privado. Mesmo com o Tesouro Nacional tendo participação de 43% do seu capital, que representa cerca de 814 milhões de ações, só poderá utilizar 10% destas ações em decisões da empresa com o conjunto dos demais acionistas. O governo Lula, no entanto, continua tendo em suas mãos a estatal ENBPar, que ficou com a gestão da Itaipu Binacional e as usinas nucleares. A ENBPar poderá ganhar importância ao absorver no futuro as concessões de usinas que vão vencer – Copel e Cemig. A União poderá usar esta estatal para fazer parcerias de construção de novas usinas, como Tapajós, com o setor privado.

Alvo: energia limpa e sustentável 

O engenheiro gaúcho Valter Cardeal, com 50 anos de trabalho na esfera pública, é um dos maiores especialistas do setor elétrico do Brasil. Nos últimos 25 anos vem alinhado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e teve papel fundamental nas decisões técnicas de todos os projetos implantados no setor elétrico nos governos de Lula e Dilma Rousseff. Participou como dirigente da Eletrobras, Eletronorte, CGTTE, Eletronuclear da formulação da atual matriz energética do Brasil.

Cardeal não tem dúvidas sobre a importância estratégica da produção de energia limpa e renovável por estar em linha com o esforço de todos os países do mundo de reduzir a emissão de carbono. Quando esteve à frente da Eletrobras, concluiu estudos de viabilidade para construção das usinas hidroelétricas de São Luiz do Tapajós, Jatobá e Miranda, no Pará. Assim como as usinas de Serra Quebrada, na divisa do  Maranhão com Tocantins, e as usinas Garabi, Panambi e Roncador, no rio Uruguai entre Brasil e a Argentina.

Usinas do complexo de São Luiz do Tapajós

Apenas com o conjunto das usinas do complexo de São Luiz do Tapajós o potencial de aumento de produção de energia é de mais de 10,6 mil MW. A velocidade de expansão de energia eólica tem um potencial muito maior do que setor elétrico com impactos ambientais reduzidos. A produção das eólicas é hoje de 5,89 mil MW, já representando 6,98% do consumo do mercado. O potencial de expansão das eólicas é de 40 vezes o atual parque de instalação devido aos bons ventos que o Brasil tem.

O Proinfa, criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas remodelado no governo de Lula, foi o grande instrumento para incentivar a produção de energia limpa e renovável. Por meio do Proinfa foram implantadas 144 usinas de produção de energia de biomassa, eólicas, PCHs e solares. Com isso foram criadas no Brasil sete complexos industriais destinados à produção de motores, geradores e outros equipamentos específicos para este sistema de geração de energia.

As únicas usinas que Valter Cardeal vê dificuldade no futuro, em função do movimento ambiental sustentável, são as que usam carvão e urânio. Hoje, a usina nuclear representa apenas 2% da energia produzida em nosso país. Os riscos das usinas nucleares, devido ao descarte de seus resíduos, é um problema grave. Os resíduos nucleares levam 600 anos para desaparecer, na melhor das hipóteses. A França hoje tem uma forte presença das usinas nucleares na Europa, sendo o país com maior depósito destes resíduos nucleares do mundo. A Alemanha já deu por descartado o uso de das usinas nucleares.

Petrobras é aliada 

Maurício Tolmasquim – Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

O Brasil acompanha com muito interesse todos os movimentos deste processo de transição para energia verde e inovações. A Petrobras já está seguindo este caminho ao nomear Maurício Tolmasquim como gerente do plano estratégico da empresa. A Petrobras quer fortalecer o acesso a mercados e buscar a vanguarda global na transição energética, através da atuação internacional por meio de parcerias tecnológicas e operacionais. Busca pela transição energética justa, em linha com as empresas congêneres internacionais, prioritariamente por meio de parcerias de excelência técnica e por programas de responsabilidade social que mitiguem as externalidades da atuação da companhia e fomentem cadeias produtivas locais.

O Brasil, por outro lado, tem exemplos para dar a outros parceiros mundiais com seu sistema interligado de distribuição de energia em todas regiões do Brasil. Apenas o estado de Roraima não faz parte deste sistema interligado.

Programa Luz Para Todos, uma das bandeiras do Governo Lula – Foto: divulgação

O programa Luz para Todos, teve a sua implementação    coordenada por Valter Cardeal nos governos de Lula e de Dilma Rousseff,  beneficiou 30 milhões de pessoas, cerca de 8 milhões de famílias, que vivem na área rural e passaram a receber energia elétrica. Trata-se de um outro exemplo internacional. O investimento foi de R$ 25 bilhões e contribuiu para levar energia as áreas agrícolas mais remotas. As linhas de transmissão de energia acabaram contribuindo para melhoria da produção de alimentos em toda a região Oeste e Nordeste do Brasil, de pequenos, médios e grandes produtores.

Alertas e diretrizes 

Cardeal foi palestrante da Organização das Nações Unidas (ONU) na China, Áustria e Noruega para passar sua experiência do Luz Pra Todos. A ONU acabou adotando como seu este programa para atender as populações de diversos países que não vinham tendo acesso à energia elétrica.

Preocupado com a melhoria da eficiência e sustentabilidade do setor hidroelétrico, Cardeal faz os seguintes alertas sobre as preocupações que hoje são discutidas amplamente no mercado:

(*) A necessidade de um aprimoramento adicional  na eficiência de turbinas no seu desempenho ambiental, cuidado da qualidade da água e ambiente de reprodução de peixes.

(*) Instalar unidades geradoras em barragens existente desenvolvimento adicionais de novas unidades de produção de energia com reaproveitamento de água.

(*) Considerar critérios de sustentabilidade, bem como o nível de bacias hidrográficas.

(*) Documentar a abordagem de sustentabilidade com a inclusão de EIA/RIMAs, melhores práticas, diretrizes ou protocolos voluntários.

(*) Disseminar ao público o papel da hidroeletricidade na produção de  energia sustentável e na redução de  mudanças climáticas. 

(*) Desenvolver políticas energéticas e marcos regulatórios que contemplem projetos hidroelétricos.

(*) Hidroeletricidade é competitiva, porém enfrenta desafios financeiros. Os investimentos iniciais são elevados e o tempo de construção longo.

(*) Retorno sobre o investimento pode variar de ano para ano.

(*) Governos devem assegurar receitas de longo prazo.

(*) Desenvolver instrumentos públicos de mitigação de risco.

(*) Valorar adequadamente a sua flexibilidade e os seus serviços ancilares.

(*) Encorajar bancos nacionais e multilaterais a se engajarem no desenvolvimento de hidroeletricidade.

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